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Xadrez - 10. Chá das 5 com Sherlock HolmesValdir Aguilera
Depois de tanto estudo, e como ninguém é de ferro, temos o direito de nos divertir um pouco, concordam? Com
este intuito oferecemos esta divertida história do detetive mais famoso do mundo. Nela temos um exemplo do que os
enxadristas chamam de análise retrógrada e que consiste em pensar nos movimentos anteriores que levaram a
uma determinada situação.
Chá das 5 com Sherlock Holmes
De volta ao lar, Holmes já estava acendendo o seu cachimbo caminhando para a cozinha. Estava esperançoso de que houvesse alguma coisa comestível na despensa. Foi neste momento que ele escutou alguém entrando em sua casa. – Holmes! Que bom que voltou logo!". Watson estava realmente contente. Talvez até um pouco além do normal. Desculpe ter usado as chaves... eu não percebi que você já havia chegado. Holmes observou seu colega com um ar de espanto. Aparentemente Watson já se achava bom o suficiente para sair por aí apesar das recomendações em contrário (Watson pode ser um bom médico, mas é um péssimo paciente). – Watson, você não tem do que se desculpar! Você sabe que tem minha inteira permissão. Watson estava intrigado com a expressão no rosto do detetive mais famoso do mundo. O que antes parecia ser um ar de espanto (com um leve toque de deboche) agora era um rosto sério, talvez até irritado. Holmes olhava fixamente para o interior do armário da despensa. Diante daquele momentâneo silêncio que se instalou, o detetive fez um rosto mais ameno e voltou a falar: – Não Watson! Eu não tenho 12 libras comigo! Você terá de se arranjar sozinho! Watson só faltou cair pra trás: – Holmes, eu sempre soube que você é o melhor detetive do mundo! Mas eu nunca soube que você podia ler pensamentos! Como soube que eu iria lhe pedir 12 libras? Holmes queria, inconscientemente, se vingar da ausência do amigo naqueles últimos dias e, por isso, foi o mais rude possível. – Eu não sei ler pensamentos! De onde você tirou essa idéia? Qualquer um poderia deduzir que você iria me pedir este dinheiro. Não é muito, eu sei. Porém eu não o tenho, caso contrário o daria. – Esqueça o dinheiro. Eu quero saber como você pode ter deduzido uma coisa destas? Isso é impossível! – Talvez seja impossível para você, meu amigo. Mas para mim é óbvio! – Holmes, eu mal pus os pés nesta casa e você não me vê há três dias. A primeira coisa que você diz quando me vê é que não tem 12 libras. Você só pode ter lido meu pensamento, pois eu estava justamente pensando em como lhe pedir as malditas 12 libras. – Você tem razão, Watson. Eu não o vejo há três dias. Aliás foram três dias muito produtivos. Contudo, eu não preciso vê-lo (e nem tampouco ler seus pensamentos) para saber o que aconteceu aqui em minha ausência. – Mas Holmes, tudo está no lugar. Eu mesmo vim aqui inspecionar o trabalho de limpeza da Sra. Simpson. Você sabe... ela é muito boa, muito prestativa, etc, mas só quando tem alguém fiscalizando... Ah! Já sei! Ela deixou algum bilhete. Aquela danada... – Meu amigo, realmente não existe ninguém como você. Que eu me lembre, você havia receitado repouso a si próprio e, ranzinza como sempre, desobedeceu a si mesmo! E para quê? Para fiscalizar a faxineira. Como se fosse necessário... – O que ela disse no bilhete, Holmes? – Watson, ela não deixou nenhum bilhete e ela também não falou comigo. Estou chegando de viajem neste momento. Pensei que iria encontrá-lo em repouso, mas, pelo visto, não há nada neste mundo que o faça ter bom senso. Vejo, inclusive, que jogaram xadrez... – Oh sim. Eu estava muito entediado... Vim abrir a casa para a Sra. Simpson e acabamos nos distraindo com uma partida de xadrez na hora do chá... – Eu sei Watson. Aliás, chamou-me a atenção o fato de a mesa não ter sido arrumada após o jogo. As peças ainda ocupam seus lugares de quando a partida terminou e, a não ser que você tenha passado a usar batom, vejo que a xícara da Sra. Simpson está virada sobre a mesa... – Bem... sim, aconteceu um acidente. Como estávamos nas dependências dos empregados, achei que poderia deixar a Sra. Simpson arrumar hoje... Não esperávamos você tão cedo... – Não se preocupe Watson... Pelo visto você jogou com as peças brancas... pelo menos a sua xícara está deste lado da mesa. – Tem razão Holmes. Eu ofereci as brancas, pois sou um cavalheiro... Mas a Sra. Simpson lembrou-me de que eu havia jogado com as pretas da última vez, então... – Ora, meu amigo, eu não quis insinuar isso. Estou apenas tentando mostrar-lhe como deduzi sua necessidade urgente de dinheiro. Por exemplo: A mesa ainda está manchada com o chá que estava na xícara da Sra. Simpson. A mancha vai até a beirada da mesa, porém não há manchas no chão ou na poltrona. Deduzi que algo interrompeu o caminho natural do líquido até o chão. Com certeza o chá virou sobre a Sra. Simpson. – Holmes, você falando assim realmente parece tão simples... Mas ainda não entendi onde você quer chegar... – Muito simples, meu amigo. Observando a posição das peças no tabuleiro, vemos que as negras vão dar mate no próximo lance. Como eu o conheço muito bem, sei que você tem o hábito de se levantar abruptamente da mesa sempre que está diante de uma derrota iminente. Com o joelho devidamente flexionado, você joga a mesa para o alto de forma que não reste uma peça sobre o tabuleiro, pede desculpas oito vezes e faz o oponente (muitas vezes eu mesmo) ajudá-lo a catar as pedras no chão. Desta vez, porém, o ardil não funcionou. As peças ficaram intactas e o que virou foi a xícara da Sra. Simpson. Como se não bastasse, todo o chá entornou sobre a pobre moça que estava usando um casaco de pele sintética branca (muito ecológico por sinal). – Como sabe que ela estava de casaco? – Os pelos estão espalhados pelo chão e estão mais concentrados aqui junto à poltrona que a Sra. Simpson usou para sentar-se à mesa. É óbvio que ela esfregou bastante o casaco. Eu diria até que ela estava com raiva. – Tem razão Holmes. Ela esfregou um bocado mas a mancha não saiu. Ela ficou com raiva porque o casaco era novo. – Eu sei Watson! É a última moda. Ele está em todas as vitrines desde Eastborn até Londres, com um cartaz anunciando "em oferta por 12 libras". Este, por sinal, é o dinheiro que ela está lhe cobrando por danos materiais o que, aliás, acho muito justo, pois não há produto que devolva a uma pele sintética branca seu aspecto impecável anterior à mancha de chá. – Você está do lado dela? Foi um acidente, eu já disse. Vou pagar porque sou um cavalheiro! – Mas é claro Watson. Posso imaginar sua aflição: em poucas horas a Sra. Simpson virá (provavelmente com frio) para terminar a faxina. Justo hoje que os bancos não abrem e você está desprevenido. Sim, pois estes mantimentos na despensa certamente não foram pagos pela pobre Sra. Simpson... Eu sei que tanto o banco quanto o mercado fecham antes da hora do chá e você não podia prever que iria precisar de 12 libras. Isso para não dizer que você exagerou nas compras... – Ora Holmes, seu poder de dedução realmente é extraordinário mas, desta vez, existe uma falha em seu raciocínio. – É mesmo, Watson? E qual é? – Toda a sua dedução baseou-se no fato de que as brancas vão tomar mate no próximo lance e que eu, por isso, tentei derrubar a mesa. Desta forma eu seria o culpado pela mancha no casaco e estaria sendo cobrado por isso. Mas, se você olhar bem o tabuleiro, verá que as brancas também irão dar mate no próximo lance. Portanto, é possível que a própria Sra. Simpson, diante de uma derrota inevitável, tenha virado a xícara de chá para, da mesma forma, interromper a partida. – Bela tentativa Watson, mas, para seu azar, observando a posição das peças no tabuleiro, eu também posso afirmar que é impossível as brancas darem mate no próximo lance! – Como impossível? É um mate muito simples! – Seria muito simples se fosse a vez das brancas jogarem. Contudo, eu posso provar que a vez é das negras! – Holmes, se você me provar que as brancas não podem dar mate, eu juro que escreverei um livro sobre você. – Neste caso pode mandar lubrificar aquela sua velha máquina de escrever. Você ficará surpreso de como o passado pode ser desvendado e, ao mesmo tempo, ter influência decisiva sobre o futuro. – Eu entendo que a cena de um crime pode deixar pistas sobre o passado e que, nestes casos, o futuro pode representar a cadeia para um assassino. Mas estamos falando de um joguinho de xadrez. – Não, Watson! Não estamos falando de um joguinho. Estamos falando de um crime contra a propriedade. – Ora Holmes, você vai querer me prender? Eu acho que você está me enrolando. O suspense já não foi suficiente para satisfazer a sua vaidade? – Não fique ansioso, Watson. Você verá que é tudo muito simples. O segredo é seguir uma linha de raciocínio que permitirá a solução do problema com a máxima clareza. – Muito bem, muito bem... Por onde começamos?
– Muito bem! Você aprende rápido. Vamos então continuar com perguntas mais difíceis: Observe a estrutura de peões negros. Quantas capturas foram necessárias para que ela fosse possível? – Bem, vejamos: Os peões em b7 e c7 jamais se moveram; O peão em c6 só pode ter vindo de d7. Isso implica em uma captura; Um dos peões na coluna g veio da coluna h. Isso implica em outra captura. Já temos duas capturas, Watson. Lembre-se de que poderão ser no máximo cinco... – Sim. Neste caso o peão em d2 veio de e7 fazendo uma captura também. As últimas duas capturas foram feitas pelo peão em c2 pois ele veio de a7. – Magnífico! Chegamos sem problemas até aqui! Confesso que não esperava tanto, Watson. – Eu só estou tolerando todo esse deboche porque estou duvidando que você consiga provar quem pode dar mate no próximo lance. – Não estou debochando de você, meu amigo: estou surpreso de fato! Estamos seguindo por trilhas sinuosas e qualquer dasatenção porá tudo a perder. Veja: já concordamos que os peões negros fizeram cinco capturas. Pois bem: Quais peças brancas foram capturadas? – Essa é fácil! Uma dama, uma torre, um bispo, um cavalo e um peão. – Você está muito confiante, Watson. Então me diga qual peão negro capturou o peão branco da coluna h? – Pode ter sido o peão negro da coluna g. Depois ele voltou para sua própria coluna. – Impossível. Isto implica em pelo menos mais duas capturas além das cinco a que temos direito. – Neste caso, pode ser que o peão branco tenha ido para a coluna g e, depois, foi capturado pelo peão negro da coluna h. – Impossível, pois as brancas não fizeram capturas. Portanto o peão branco não pode ter mudado de coluna. – Neste caso a posição é impossível! Mas eu tenho certeza de que joguei dentro das regras. A Sra. Simpson também. – Watson, você continua com essa mania de ver apenas o que os olhos lhe mostram. Você tem que buscar o significado do que você vê. – Está bem, Holmes: Isto significa que a posição é impossível! – Agora é você quem está debochando. Mas, mesmo assim, vou ajudar-lhe: A única possibilidade de as negras terem feito cinco capturas de peões sem tornarem a posição ilegal, é a de que o peão branco da coluna h tenha promovido! Só assim ele, mais tarde, pôde ser capturado por um dos peões negros ou mesmo ainda estar no tabuleiro travestido numa outra peça substituindo a original que foi capturada. – Meu Deus! Como você consegue descobrir esses "significados"? Eu mesmo não me lembro mais nada da partida que joguei ontem. – Mas não há necessidade de lembrar. Foi isso o que aconteceu pois, de qualquer outra forma, a posição seria ilegal. – Bem, e o que isso "significa", Holmes? – Isto significa que a solução do nosso problema está em descobrir como esta partida pôde chegar nesta posição assumindo que ela obedece todas as regras do jogo de xadrez. Significa que deveremos aprender a jogar "para trás", quero dizer, retroagir lance por lance até descobrirmos como vocês conseguiram chegar nessa posição apresentada no tabuleiro. – Significa que vamos passar uma noite em claro... – Watson, não desanime agora! Temos ainda um longo caminho e, como já disse, qualquer desatenção porá tudo a perder. Não me obrigue a começar tudo novamente desde o início! – Pelo amor de Deus, Holmes! Não. Vá em frente. Ainda estou conseguindo acompanhar você. – Este momento é importantíssimo. Sempre estivemos habituados a jogar xadrez "para frente" e agora teremos de aprender a jogar xadrez "para trás", quero dizer, os peões passarão a andar para trás, de volta às suas posições iniciais. As peças, ao invés de "comer", passarão a "vomitar" permitindo que peças fora do tabuleiro retornem à partida. Ao invés de se defender dos xeques, os Reis se "colocarão" em xeque obrigando o adversário a retirar o xeque no lance seguinte, quero dizer, no anterior. – Holmes, você quer que eu acredite que cacos de vidro espalhados no chão podem voar sozinhos de volta à prateleira e formar um copo novinho? Isso é impossível! – Não no xadrez! Aqui tudo é possível. Por exemplo: Qual pode ter sido o último lance das negras? – Qualquer um, Holmes. Como vou saber? – Bem, vamos por partes. O cavalo negro em a8 não pôde ter feito a última jogada das negras pelo simples fato de que ele não pôde ter vindo de lugar algum (as casas b6 e c7 estão ocupadas, portanto o cavalo não pôde ter vindo de nenhuma delas). Pelo mesmo motivo, os dois bispos e as duas torres negras também estão fora de cogitação. – Que coisa curiosa, Holmes... Agora percebo, por exemplo, que a dama negra também não pôde ter vindo de a2 ou a3 ou a4 pois estaria "tirando" o rei branco de xeque. – Fantástico, Watson! Você está entendendo o espírito da coisa. Talvez agora você compreenda que o rei negro também não pôde ter vindo das casas a4 e c4, pois isso implicaria que ambos os reis ficaram lado a lado na partida (o que é impossível). – Sim, mas ele pode ter vindo de c5... – Mas, neste caso, como as brancas puderam dar xeque com o peão em b4? Lembre-se de que as brancas não fizeram capturas... – Bem, neste caso, o rei negro também não pôde ter feito o último lance das negras... – Exato. Agora vamos ver os peões negros. Os que estão em b7 e c7 jamais se moveram... – O peão em c6 pode ter vindo de d7. – Certamente que sim, mas não agora pois, neste caso, o bispo negro de casas brancas jamais teria saído de c8... – Minha nossa, Holmes. Isso está começando a ficar complicado. São muitos detalhes... – É verdade. Por isso é que adoro desvendar crimes. Dar o devido valor aos detalhes é uma arte... – Deixe-me ver se ainda estou entendendo... O peão negro em c2 não pôde ter vindo de lugar algum e o de d2 não pôde ter vindo de e3 agora pois o peão branco em e7 ainda não voltou... – Bravo! Bravíssimo! Agora me lembro porque gosto tanto de você, Watson! Estes momentos me dão muita alegria... Repare que, pelo mesmo motivo, o peão negro em g6 não pôde ter vindo de h7 agora pois o peão branco que promoveu na coluna h ainda não voltou. – Até aqui ainda estou entendendo. Restaram apenas os peões em f3 e g4... – Sim, e o cavalo negro em g7. Aparentemente qualquer uma dessas três peças podem ter feito o último lance das negras. Sendo assim, vamos nos dar por satisfeitos por enquanto e inverter a situação: Qual pode ter sido o último lance das Brancas? – Eu acho que consigo responder, Holmes. Estou começando a gostar disso. Bem, a torre e o bispo brancos não puderam vir de lugar algum. O cavalo branco também não pôde ter vindo de lugar algum pois, neste caso, as pretas não teriam como ter dado o xeque com a torre. – Muito bem, Watson. Você realmente entendeu. O rei branco também não pôde ter vindo de a2 ou a3 pois, neste caso, as pretas não teriam como ter dado o xeque com a dama. – Eu sei, eu sei, Holmes, deixe eu continuar... O rei branco também não pôde ter vindo das casas a4 e c4. Assim eliminamos todas as possibilidades de o rei ter feito o último lance das brancas. – Finalmente, restaram os peões brancos... – Os de f2 e g2 jamais moveram. O de a5 não pôde ter vindo de a4 pois estaria "tirando" o rei negro de xeque. Os peões em b4, c3 e d3 não podem voltar pois estão "bloqueados". Restou apenas o peão em e7. Forçosamente foi ele quem realizou o último lance das brancas... – Estupendo! As brancas estão "atadas" e podem apenas voltar lances com o peão que está em e7. Quantos lances as brancas conseguirão voltar com este peão antes de ficarem completamente paralisadas (o que tornaria a posição ilegal)? – Bem, vejamos, o peão pode voltar para e6, depois para e5, e4, e3 e e2: cinco lances ao todo. – Errado, Watson. O peão branco não pode voltar para e2 antes de o bispo branco de casas brancas voltar para f1. Lembre-se de que este bispo, obrigatoriamente, foi capturado por um peão negro, portanto teve de sair de suas fronteiras... – Sendo assim, restam quatro movidas antes que a posição se torne ilegal. – Precisamente! E o que isso significa? – Significa que as negras tem de "salvar" a situação em, no máximo, quatro retro-movidas... – Muito bem! Eu pensei que teria muito mais dificuldades com você mas, pelo visto, este resfriado lhe fez muito bem... – Quer um pouco?! – Não, obrigado, Watson. Prometo que não farei mais comentários... Vou me concentrar na solução do problema. As negras precisam "libertar" alguma peça branca para que elas possam voltar mais lances após terem se esgotado os retro-lances do peão em e7. A torre branca, por exemplo, só sai quando o bispo negro em a6 sair. Este, por sua, vez só sai quando o rei negro sair que, por sua vez, só sai quando o rei branco sair... – Pára, pára, pára... O rei negro pode sair depois que o peão em c6 voltar para d7... – Mas para isso ser possível, o bispo negro de casas brancas, devidamente bloqueado neste momento em a6, deveria já estar em c8... – Eu esqueci, Holmes, desculpe-me... Estamos diante de um gato caçando o próprio rabo... – Onde eu parei mesmo? Ah, sim! O rei branco só sai se a dama negra sair, que só sai se a torre em b1 sair, que só sai se o bispo branco sair, que só sai se o cavalo branco sair, que só sai quando as negras puderem justificar o xeque de torre. – O que significa "justificar" um xeque? – Neste momento o cavalo branco não pode sair pois as negras não teriam como explicar o xeque de torre. Mas ele poderia ser explicado se houvesse uma peça negra em b2 permitindo dar xeque com a torre "a descoberto". – O que é xeque "a descoberto"? – As negras dariam xeque tirando uma peça que estaria em b2, entre o rei branco e a torre preta. – Às vezes eu dou xeque "sem querer" exatamente assim... – Bem... Watson... eu acho que você entendeu. Por outro lado, a única peça negra disponível para realizar um xeque "a descoberto" em b2 é o cavalo em g7. Ele precisa estar pronto para entrar em b2 quando as brancas não tiverem mais retro-lances de peão a fazer. – Isso é fácil! O caminho mais rápido para o cavalo em g7 chegar em b2 é passando pelas casas f5, e3 e d1. Isso nos dá tempo suficiente para "salvar" a posição. – Pois bem. Vamos por a mão na massa e voltar os lances... 4 - ... Cf5-g7; 3 - Pe6-e7, Ce3-f5; 2 - Pe5-e6, Cd1-e3; 1 - Cc4-b2, Cb2-d1
– Você está certo, Watson. E teremos de fazer tudo isso antes que se acabem os retro-lances de peões negros. – Deixe-me ver: As negras podem voltar quatro lances com o peão de f3. – Muito bem. Além disso teremos mais um lance onde um dos peões negros da coluna g "descapturará" o bispo branco em casa branca para que ele possa voltar à casa f1. Depois disso ainda restarão três retro-lances até que as negras fiquem completamente "atadas". Isso nos dá um limite de oito retro-lances para as brancas "salvarem" a posição. – Bem, Holmes, pelo que você disse, eu entendi que as brancas terão de levar o cavalo até a casa h8 para que o peão branco possa "despromovê-lo". Este mesmo peão, em seguida, retornará pela coluna h de sorte a permitir que o peão negro descapture o bispo branco de casas brancas. O bispo, por sua vez, deverá retornar para sua casa original em f1 e a posição estará "salva". – Quanto otimismo, Watson. E em quantos lances as brancas podem fazer tudo isso? – O caminho mais curto para que o cavalo branco em c4 chegue em h8 é passando pelas casas e5, f7, h8 (três lances). Depois disso o peão branco "despromoverá" voltando para h7 e depois para h6 permitindo que o peão negro em g6 descapture o bispo branco. – Não pretendo lhe ensinar matemática, Watson, mas já chegamos a cinco lances. Restam apenas três. – Eu sei, não me afobe. O bispo chegará em f1 passando pelas casas h5, e2 e f1. São os exatos três lances que eu preciso. – Seria perfeito se não houvesse uma falha em sua dedução... – Você é mesmo vingativo, hem Holmes? Qual é a falha? – O cavalo não pode usar o caminho mais curto pois o peão branco em e5 está lhe bloqueando. – Eu posso voltar por d6. Dá na mesma. – Claro que não. Se o cavalo branco veio de d6 ele estaria "tirando" o rei negro de xeque. Isso não seria um lance válido. – Então, como eu posso tirar o peão branco de e5 sem gastar retro-lances? – Elementar, meu caro Watson! A única maneira de fazer isso é voltando à posição inicial do problema e, ao invés das negras voltarem primeiro (lembra? Cf5-g7), as brancas é que voltam primeiro. Holmes arrumou rapidamente o tabuleiro colocando as peças como elas estavam no início e depois voltou lance por lance começando pelas brancas. 4 - Pe6-e7, Cf5-g7; 3 - Pe5-e6, Ce3-f5; 2 - Pe4-e5, Cd1-e3; 1 - Cc4-b2, Cb2-d1 Quando Holmes terminou, Watson deu um sorriso e não pôde conter a admiração... – Holmes, estamos na mesma posição do segundo diagrama só que com o peão branco em e4. Agora o cavalo pode passar por e5 e voltar rapidamente até h8. Você é um gênio! – Sou sim, admito. Como vê, o problema está resolvido. Deixe-lhe mostrar até onde eu analisei quando cheguei de viajem e vi o tabuleiro sobre a mesa... E Holmes mostrou a sequência completa de retro-lances necessários para desatar a posição. 15 - Pe6-e7, Cf5-g7; 14 - Pe5-e6, Ce3-f5; 13 - Pe4-e5, Cd1-e3; 12 - Cc4-b2, Cb2-d1; 11 - Ce5-c4, Pf4-f3; 10 - Cf7-e5, Pf5-f4; 9 - Ch8-f7, Pf6-f5; 8 - Ph7-h8=C, Pf7-f6; 7 - Ph6-h7, Ph7xBg6; 6 - Bh5-g6, Pg5-g4; 5 - Be2-h5, Pg6-g5; 4 - Bf1-e2, Pg7-g6; 3 - Pe2-e4, Pe3xCd2; 2 - Cf3-d2, Pe4-e3; 1 - Bg5-c1, Te1-b1; 0 - etc... – Está provado que o último lance da partida foi das brancas (Pe7) e, portanto, a próxima jogada é das negras. O mate é Da4++ - disse Holmes. – Como eu pude duvidar de você. Desta vez você se superou. – Você também se superou, meu amigo. Está de parabéns... – Bem, Holmes, toda essa conversa me deixou com fome. Você não quer comer algo também? – Não, não Watson! Não me fale em comida. Me fizeram comer tanto no trem que eu só me aproximaria de um armário de despensa se este fosse o preço a pagar pela solução de mais um caso... |
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