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As 1001 noites - O pescador e o gênio
– Ó sorte!, deixe de estar com raiva de mim. Não persiga um pobre coitado que está suplicando para que você o poupe! Saí de minha casa e só vim ganhar o meu sustento; você me anuncia a morte! Não sei fazer outra coisa para sobreviver, mas, apesar de todos os meus esforços, não consigo nem mesmo satisfazer as necessidades mais básicas de minha família. Pondo fim a suas queixas, o pescador jogou o cesto e, depois de ter lavado cuidadosamente a rede enlameada, lançou-a ao mar pela terceira vez. Mas só conseguiu tirar das águas do mar pedras e sujeira. Quase enlouqueceu de tanto desespero. Entretanto, como o dia começava a nascer, não se esqueceu de sua prece, como bom muçulmano. Em seguida, suplicou: – Meu Deus, bem sabeis que só lanço a rede quatro vezes por dia. Já a joguei três vezes, e nada consegui com o meu trabalho. Só me resta uma chance. Suplico: fazei o mar favorável a mim! Terminada a prece, lançou a rede pela quarta vez. Quando achou que deveria haver peixe, puxou-a sem muito esforço. Não, não havia peixe, mas, em vez disso, um estranho vaso de cobre que, pelo peso, pareceu estar cheio. Estava fechado e lacrado com chumbo. “Vou vendê-lo e, com o dinheiro, comprarei trigo”, pensou ele. Depois de examinar o vaso cuidadosamente, o pescador sacudiu-o para ver se o que havia dentro dele fazia barulho. Não pôde ouvir coisa alguma. Pensou que deveria estar cheio de algo muito precioso. Para acabar com a dúvida, pegou sua faca e abriu-o com um pouco de esforço. Virou a boca do vaso para o chão, mas nada saiu, o que o deixou muito espantado. Então, colocou o vaso na sua frente. Enquanto o observa, eis que sai do interior do vaso uma densa fumaça. O pescador recua, assustado. A fumaça se eleva até as nuvens e forma um nevoeiro intenso sobre o mar e a praia. Que era aquilo? Quando a fumaça saiu totalmente do vaso, juntou-se e tornou-se um corpo só, do qual se formou um gênio duas vezes mais alto do que o mais alto de todos os gigantes. Vendo monstro tão monstruosamente grande, com cara de poucos amigos, o pescador quis fugir, mas, aterrorizado, nem conseguiu se mover! O gênio disse com uma horrível voz de trovão: – Salomão, grande profeta de Deus, perdoai-me! Nunca mais me oporei à vossa vontade e obedecerei a todas as vossas ordens. Assim que ouviu as palavras do gênio, o pescador lhe disse: – Ó espírito orgulhoso, que você está dizendo? Faz séculos que Salomão, o profeta de Deus, está morto. Mas conte-me a sua história. Por que estava encerrado nesse vaso tão pequeno? O gênio, então, lançando um olhar orgulhoso e cheio de ódio ao pescador, respondeu: – Dirija a palavra a mim com mais respeito! Você é bem atrevido em me chamar de espírito orgulhoso! – Pois bem, falarei com mais respeito se chamar você de ave da felicidade? – perguntou o pescador. – Eu estou lhe dizendo: dirija-me a palavra com mais respeito antes que eu o mate! – E por que você me mataria? – replicou o pescador. – Acabo de pôr você em liberdade, já esqueceu? – Não, não esqueci. Mas isso não me impedirá de matá-lo; e só concedo a você uma graça – disse o gênio. – E qual é essa graça? – perguntou o pescador. – Você pode escolher a maneira pela qual quer que eu o mate. – Mas que mal eu lhe fiz? É essa a recompensa que eu recebo pelo bem que fiz a você? – Não posso tratá-lo de outra maneira – respondeu o gênio. E passou a contar sua história: “Sou um dos espíritos rebeldes que se revoltaram contra a vontade de Deus. Todos os outros gênios reconheceram o poder do grande Salomão e a ele se submeteram. Eu e mais um outro fomos os únicos a não querer cometer essa baixeza. Para se vingar, Salomão encarregou Assaf, o filho de seu primeiro-ministro, de ir buscar-me e levar-me a sua presença. Ordenou, então, que eu abandonasse meu modo de vida, reconhecesse seu poder e me submetesse às suas ordens. Recusei e preferi expor-me a seu ódio a prestar-lhe juramento de fidelidade e submissão. Querendo me castigar, encerrou-me neste vaso de cobre. Para que eu não pudesse escapar, na tampa de chumbo do vaso pôs seu sinete, onde está escrito o nome de Deus. Depois, mandou que um dos gênios que lhe obedeciam atirassem o vaso ao mar, o que fizeram. No primeiro século de meu aprisionamento, jurei que, se alguém me livrasse antes de se passarem cem anos, eu o faria milionário. Mas os cem anos se passaram e ninguém apareceu para me prestar tão bom serviço. No segundo século, jurei revelar todos os tesouros da terra para quem me libertasse, mas ainda dessa vez não tive sorte. No terceiro, prometi fazer do meu libertador um poderoso soberano, estar sempre ao seu lado em espírito e conceder-lhe três desejos todo dia, qualquer desejo! Mas também esse século se foi, assim como os outros, e eu continuei na mesma situação. Finalmente, enraivecido por me ver preso por tão longo tempo, jurei que, se alguém me livrasse, eu o mataria sem dó nem piedade e não lhe concederia outra graça senão a de escolher o tipo de morte pela qual morreria." Assim, uma vez que você me libertou hoje, só lhe resta escolher a maneira pela qual quer que eu o mate! Aquelas palavras deixaram o pescador desesperado: – Sou realmente desgraçado! Vim aqui prestar um grande serviço a um ingrato. Suplico-lhe: pense na injustiça que você está praticando e anule um juramento tão pouco sensato! Se você me perdoar, Deus o perdoará. Se me deixar viver, Ele o protegerá em todas as situações críticas de sua vida. – Não, não: sua morte é certa! – respondeu o gênio. – Falta só você escolher a maneira como deseja morrer. — Ai de mim! Tenha piedade! Lembre-se do que fiz por você! – Já lhe disse: é justamente por essa razão que eu sou obrigado a matá-lo. – É estranho, não entendo por que você quer pagar o bem com o mal – prosseguiu o pescador, provocando a réplica do gênio: – Não vamos perder mais tempo! Suas palavras não me farão mudar de idéia. Vamos logo: diga-me como deseja morrer. A necessidade obriga o homem a recorrer à esperteza; assim fez o pescador. Disse ele ao gênio: – Já que não poderei mesmo evitar a morte, submeto-me à vontade de Deus. Mas antes de escolher como desejo morrer, suplico-lhe, pelo nome de Deus gravado no sinete do profeta Salomão, filho de Davi, responda à pergunta que desejo lhe fazer. Quando o gênio viu que aquele homem lhe fazia uma súplica que o obrigava a responder de forma favorável, estremeceu e disse: – Pergunte-me o que quiser, mas se apresse! Eu responderei dizendo a verdade. – Eu queria saber se você estava realmente preso nesse vaso... Você juraria pelo nome de Deus? – Sim, – respondeu o gênio – juro pelo grande nome que está gravado no lacre deste vaso. – Para ser franco, não posso acreditar no que você está dizendo. Nesse vaso não caberia nem mesmo um pé seu, como é possível que o corpo inteiro estivesse preso aí dentro? – Mas eu juro que é verdade – respondeu o gênio. Você não acredita, mesmo depois de eu ter jurado? – Não mesmo! Conte outra... É impossível acreditar, a menos que você me mostre como fez para ficar fechado aí dentro... Ver para crer... Imediatamente o corpo do gênio dissolveu-se em fumaça, que se estendeu sobre o mar e a praia e, depois, juntando-se, começou a entrar de novo naquele vaso de cobre, lentamente, lentamente, até que nada ficou de fora. Logo saiu dali uma voz que disse: – E então, pescador incrédulo, eis-me dentro do vaso. Acredita em mim agora? O pescador, em vez de responder ao gênio, pegou correndo a tampa de chumbo e, fechando o vaso, disse: – Gênio, peça-me perdão e escolha a maneira pela qual deseja morrer! Mas não... será melhor que eu o lance de novo ao mar, no mesmo lugar de onde o tirei. Depois, construirei uma casa nesta praia para nela morar. Aqui, avisarei os pescadores para que, se por acaso lançarem as redes nestas águas, não pesquem um gênio mau como você, que jurou matar seu libertador! O gênio implorou e implorou que o pescador o libertasse. Dizia: – Meu amigo pescador, não seja cruel! Não é justo vingar-se; pelo contrário, devemos pagar o mal com o bem. Liberte-me, e eu contarei a você uma história muito interessante. – Qual? – Se deseja ouvi-la, abra este vaso, por favor! Como é que eu posso contar histórias fechado aqui, nesta prisão minúscula! Eu contarei quantas você quiser, depois que sair daqui... – Não, não – respondeu o pescador. Não vou libertar você, não. Não adianta insistir. Vou jogar o vaso no fundo do mar. – Mas antes, escute-me – gritou, apavorado, o gênio. Se você me soltar, juro que não lhe farei mal. Melhor: ensinarei como você pode se tornar muito rico. A esperança de sair da pobreza convenceu o pescador, que disse: – Jure em nome de Deus que você fará o que acaba de prometer, e eu o soltarei. O gênio jurou, e então o pescador abriu o vaso. Primeiramente, saiu dele uma fumaça, que logo tomou a forma do gênio. Este, assim que pisou no chão, deu um pontapé no vaso, que foi se afundar nas águas do mar... O pescador ficou aterrorizado, mas o gênio deu uma gargalhada e o tranqüilizou: – Não tenha medo. Vou cumprir a minha palavra. O gênio levou o pescador, ainda desconfiado, até um lago entre montanhas. Ali, insistiu para que ele lançasse a sua rede às águas transparentes. Qual não foi o espanto quando o pescador viu que com sua rede pescara quatro peixes, um de cada cor: branco, vermelho, azul e amarelo. O gênio lhe disse: – Leve esses peixes para o sultão: ele lhe dará por eles mais dinheiro do que você jamais teve na vida. Mas cuidado: venha pescar neste lago só uma vez por dia! Depois de dizer essas palavras, o gênio bateu forte no chão com o pé. A terra se abriu, engoliu-o e, por fim, se fechou. O pescador fez exatamente o que o gênio lhe recomendara. O sultão, por aqueles peixes, recompensou-o de tal forma que ele nunca mais passou necessidade. Mas essa já é uma outra história... De "O pescador e o gênio" para "Biblioteca" Copyright©2008 valdiraguilera.net. All Rights Reserved |
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