As 1001 noites - O burro conselheiro
Contam que certo lavrador possuía um burro que o repouso engordara e um boi que o trabalho abatera.
Um dia, o boi queixou-se ao burro e perguntou-lhe:
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– Não terás, ó irmão, algum conselho que me salve
desta dura labuta?
O burro respondeu:
– Finge-te de doente e não comas tua ração. Vendo-te assim,
nosso amo não te levará para lavrar o campo e poderás descansar. |
Dizem que o lavrador entendia a linguagem dos animais e compreendeu o que eles conversaram. Na
manhã seguinte, viu que o boi não comera sua ração. Deixou-o e levou o burro em seu lugar. O burro
foi obrigado a puxar o arado o dia todo, e quase morreu de cansaço. E lamentou o conselho que dera
ao boi. Quando voltou à noite,
perguntou-lhe o boi:
– Como vais, querido irmão?
Respondeu o burro:
– Vou muito bem. Gostei da luz do sol e da alegria dos campos. Mas ouvi algo que me
fez estremecer por tua causa. Ouvi nosso amo dizer: "Se o boi continuar doente, deveremos matá-lo
para não perdermos sua carne". Minha opinião é que comas tua ração e voltes para tua tarefa a
fim de evitar tamanho infortúnio.
O boi concordou e devorou toda a sua ração. O lavrador estava ouvindo, e riu.
Quando o homem deu uma risada ao ouvir o segundo conselho dado pelo burro ao boi, sua mulher
(que não conhecia a linguagem dos animais) ficou perplexa e curiosa e quis saber por que ele
riu. O homem não podia revelar que conhecia a linguagem dos animais. Respondeu à mulher que esse riso
envolvia um segredo que lhe era proibido divulgar sob pena de morte.
– Quero que me contes esse segredo, mesmo que tenhas que morrer insistiu a mulher.
Como o homem amava sua mulher e nada lhe recusava, consentiu em revelar-lhe o segredo e perder a vida. Mandou,
pois, vir o cádi e as testemunhas para deixar consignadas oficialmente suas últimas vontades. E mandou vir
seus parentes e os de sua mulher para despedir-se deles. Todos aconselharam à mulher desistir de seu
propósito e não empurrar para o túmulo seu marido e pai de seus filhos. Ela, porém, teimou, repetindo:
– Quero conhecer o segredo, mesmo que ele tenha que morrer.
Toda essa movimentação despertou a atenção do cão e dos animais da capoeira. O cão censurou o
galo por estar cantando quando o amo deles todos estava para morrer. O galo perguntou:
– E por que nosso amo está para morrer?
O cão contou-lhe a história. Comentou o galo:
– Por Alá, nosso amo é muito tolo. Eu tenho cinqüenta esposas. Agrado a uma; desagrado a
outra; mas não permito nenhuma rebelião entre elas. E ele tem apenas uma esposa e não consegue
controlá-la. O que ele deve fazer é apanhar umas varas verdes nas amoreiras e bater nela até que
se arrependa e não mais lhe exija nada.
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O homem ouviu o que o galo disse ao cão, pensou e decidiu seguir o conselho do galo. Cortou umas
varas das amoreiras, escondeu-as no quarto do casal e chamou a mulher:
– Vem comigo até nossa alcova para que te conte o segredo e me despeça de ti para sempre.
Quando a mulher entrou no quarto, o homem trancou a porta, apanhou as varas e bateu nela até que ficou
cega de dor e gritou:
– Arrependo-me. E beijou lhe as mãos e os pés.
Em seguida, saíram juntos em paz para iniciar uma nova vida. E os parentes e os vizinhos se regozijaram
por eles.
De "O burro conselheiro" para "Biblioteca"
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