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As 1001 noites - Judar, o pescador e o saco encantado
O jovem prometeu obedecer. Disse o mouro: – Recita a Fatiha para dar à tua promessa um caráter sagrado. Judar recitou a Fatiha. Disse então o mouro: – Amarra meus braços atrás das minhas costas com estas cordas, joga-me no mar e espera. Se as minhas mãos saírem da água em primeiro lugar, lança tua rede e traze-me às costas. Pois não sei nadar. Mas se forem meus pés que emergirem primeiro, considera-me morto. Leva então esta mula e este saco ao mercado e procura por Chamaia, o judeu. Pagar-te-á cem dinares pela mula. Teu único dever será guardar o segredo. Judar seguiu as instruções do mouro, e ao ver os pés emergirem primeiro, montou a mula e foi ao mercado onde localizou o judeu. O judeu pagou-lhe os cem dinares prometidos e recomendou-lhe o segredo por sua vez. Judar levou muitas provisões para casa, onde encontrou os irmãos famintos. No dia seguinte, voltou à mesma praia e foi abordado por outro mouro igual ao primeiro; e tudo se passou exatamente como no dia anterior. No terceiro dia, outro mouro apareceu, e Judar amarrou-o e jogou-o às águas da mesma forma. Mas, desta vez, foram as mãos e a cabeça do mouro que emergiram. Judar lançou sua rede e salvou o homem. Quando ele chegou à costa, Judar reparou que ele segurava um peixe vermelho em cada mão. "Por Alá," disse a Judar, "salvaste-me a vida." Retrucou Judar: "Por recompensa, conta-me a história de teus dois irmãos afogados, destes dois peixes e do judeu Chamaia."
– Ó meu senhor, respondeu Judar, tenho minha mãe e dois irmãos a sustentar. Quem os alimentará se viajar contigo? – Toma estes mil dinares e entrega-os a tua mãe, e promete-lhe que estarás de volta dentro de quatro meses. Judar foi entregar os mil dinares à mãe e obter sua bênção. Quando voltou, o mouro colocou-o atrás de si nas costas da mula e voaram. No caminho, Judar sentiu fome e disse ao mouro: – Senhor, acho que esqueceste de trazer provisões para a viagem. – Não preciso trazer provisões. Tenho este saco encantado. Dele posso tirar todos os pratos que desejar. Estás com fome? Judar reconheceu que estava. Num instante, o mouro tirou do saco peixes, aves, carnes, frutas, doces, todos preparados com requinte e servidos empratos de ouro. – Come, meu amigo, disse o mouro. – Meu senhor, com certeza colocaste no saco antes da viagem vários cozinheiros e muitos mantimentos. – O saco é encantado, só isso! respondeu o mouro com um sorriso. É servido por um Afrit que nos traria num piscar de olhos até mil pratos árabes, mil pratos egípcios, mil pratos indianos, mil pratos chineses. No decorrer da viagem, o mouro perguntou a Judar: – Sabes a que distância já estamos do Cairo? – Por Alá, não! – Nestas duas horas, disse o mouro, já percorremos um mês de viagem. Pois esta mula é uma jiniêh e viaja um ano num dia. Quando chegaram a Fez, foram à casa do mouro. Descarregaram a mula. Semanas depois, disse Abdel-Samad: – Chegou o dia em que vamos recuperar o tesouro de Chamardal. Para tanto devemos superar diversas provas, cada uma mais difícil que a outra. Sentes-te preparado? – Sim, respondeu Judar. Foram então ao lugar indicado no meio do deserto onde, sob o efeito de palavras mágicas, portas misteriosas se abriram, dando acesso a galerias, jardins, casas, palácios. Numa das casas, encontraram a mãe de Judar. Era a primeira prova. Judar, seguindo as instruções de Abdel-Samad, ordenou à mãe: – Despe-te. – Meu filho, gritou a mulher, eu sou tua mãe. – Despe-te, repetiu Judar. Senão, corto-te a cabeça. Na realidade, não era sua mãe e sim uma mera aparição. Mas se ele tivesse fraquejado e tido pena dela, teria sido imediatamente abatido por gênios malvados. Após dias passados assim em meio a aparições mágicas, provas imprevistas e outras manifestações de terror, Abdel-Samad salvou o tesouro de Chamardal. Agradeceu a Judar pela indispensável cooperação e convidou-o a pedir o que quisesse. Judar pediu o saco encantado. O mouro entregou-o sem hesitar e acrescentou: – Devo-te mais que este saco. Leva também este outro saco, cheio de ouro e jóias, para que nunca mais conheças a preocupação em tua vida. Judar agradeceu e, montado na mula mágica, voltou para o Cairo e foi diretamente à sua casa. E qual foi a sua pena quando viu a mãe vestida de farrapos e sentada na soleira da porta a pedir esmolas. Ela contou-lhe que seus irmãos a haviam maltratado e arrancado dela todo o dinheiro que lhe dera. Vendo a casa vazia, Judar encheu-a imediatamente de mantimentos, graças ao saco encantado. Quando Salim I e Salim II souberam da volta do irmão e de suas riquezas, procuraram-no mais uma vez, e ele recebeu-os mais uma vez festivamente. E viveram juntos, comendo o que lhes apetecesse. Mas a natureza incuravelmente malvada daqueles dois irmãos prevaleceu de novo. Observando e aproveitando a indiscrição da mãe, souberam do saco encantado e roubaram-no. Depois, tramaram com o capitão de um navio, e este enviou seus marinheiros para raptar Judar e jogá-lo no porão, acorrentado. Mas Deus teve pena dele. Um mercador de Jedá passou por acaso no porão, viu Judar, gostou dele e tomou-o a seu serviço numa peregrinação a Meca. Lá, outro acaso feliz o pôs no caminho de Abdel-Samad, que estava cumprindo o dever da peregrinação. Reconheceu-o e mostrou-lhe a bondade de um pai. Presenteou-o com quinhentos dinares e ofereceu-lhe o anel mágico que fazia parte do tesouro de Chamardal. Judar voltou para casa mais uma vez rico e honrado, e acolheu novamente seus irmãos e perdoou-lhes todas as ignomínias. E, aproveitando o anel mágico, mandou o Afrit edificar um palácio mais suntuoso que o palácio real. Com o tempo, o rei, Chams Ad-Daula, ouviu falar de Judar e do esplendor de seu palácio. Um dia, foi visitá-lo. Por sua vez, Judar ouviu falar da filha do rei, uma adolescente mais bela que a plena lra, e pediu-a em casamento. O rei concordou. Os dois jovens foram unidos pelos laços do matrimônio e por uma ardente paixão recíproca, que aumentou ainda mais a amizade entre Judar e Chams Ad-Daula. Judar foi nomeado vizir. E quando o rei morreu, foi ele mesmo proclamado rei, sendo sempre tolerante e generoso para com seus irmãos. Mas estes nunca conseguiram superar sua inveja e sua perversidade. Um deles, aproveitando a oportunidade de um banquete real do qual participava, colocou veneno no prato do rei seu irmão e o matou. O povo chorou o rei bondoso Judar, e os sábios disseram que ele foi vítima tanto de seus irmãos malvados quanto de sua própria generosidade, excessiva e indiscriminada. Pois o provérbio diz: "Faça o bem, mas saiba a quem." Num sentido aproximado, Kisra, o grande rei da Pérsia, escrevera ao filho: "Meu filho, cuidado com a compaixão: ela enfraquece o governo; e cuidado com a falta de compaixão: ela provoca a rebelião."
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