As 1001 noites - As estranhas coincidências da vida
Ao inspecionar certo dia o seu reino, acompanhado por seu vizir Jafar, o califa Harun Ar-Rachid viu,
sendo retirado do rio Tigre, o corpo de uma mulher assassinada. O califa comoveu-se e disse
a Jafar:
– Se não descobrires o assassino desta pobre mulher, serás enforcado no seu lugar.
Jafar teve sorte, pois o assassino se apresentou por si mesmo ao califa e contou a seguinte história:
"Sabei, ó Comandante dos Fiéis, que esta mulher era minha mulher, mãe de meus três filhos. Amava-a, e
ela me amava. No início deste mês, adoeceu e disse-me: 'Tenho, ó Ali, o desejo de comer uma maçã.' Corri
ao mercado, determinado a comprar maçãs até por um dinar a unidade. Mas não havia maçãs no mercado. E
um agricultor me disse: 'Esta fruta é rara. Só pode ser encontrada em Basra no jardim do califa.' Por
amor à minha mulher fiz a viagem até Basra em quinze dias e quinze noites. E convenci o jardineiro
do califa a me vender três maçãs por três dinares cada. Ao voltar, encontrei minha mulher ainda mais doente.
Colocou as três maçãs de lado e não as comeu." |
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Fui à minha loja e comecei a comprar e vender quando vi passar um negro alto e forte, segurando na mão
uma das três maçãs. Disse-lhe: 'Ó bom escravo, conta-me onde conseguiste esta maçã para que consiga
outra igual para mim.' Respondeu: 'Foi-me dada por minha amante. Voltei ontem de viagem e fui
visitá-la. Encontrei-a doente com três maçãs a seu lado. Ela me disse: 'Meu marido foi até Basra
comprá-las para mim.'Comi, bebi e dormi com ela, e fiquei com uma das três maçãs.'
"Ao ouvir estas palavras, ó Comandante dos Fiéis, o mundo ficou preto aos meus olhos. Fechei minha
loja e voltei para casa. Lá, vi apenas duas maçãs. 'Onde está a outra maçã?' perguntei à mulher. Respondeu
languidamente que não sabia. Convenci-me de que as palavras do escravo eram verídicas e, na minha raiva,
saquei de meu punhal, matei minha mulher e joguei-a no Tigre. De volta para casa, achei meu filho mais
velho chorando. 'Por que está chorando, meu filho? perguntei-lhe'.Respondeu: 'Tomei uma das três
maçãs da mamãe para brincar com ela; mas um negro alto e forte arrancou-a das minhas mãos. Chorei e contei-lhe
que meu pai tinha ido até Basra comprar três maçãs para curar a doença de mamãe. Mas ele não me deu
atenção. Levou a maçã e foi embora.' Aí, entendi a trama e lamentei meu erro. Mas era tarde demais. Sou
culpado. Mereço a morte, ó Comandante dos Fiéis," concluiu o comerciante.
O califa ficou furioso contra o escravo caluniador e mandou Jafar descobri-lo dentro de três dias. "Senão,
serás enforcado em seu lugar.”
Jafar não teve sorte desta vez. Procurou em vão pelo escravo criminoso. No terceiro dia, estava se despedindo
da família antes de se apresentar à forca quando, ao abraçar a filha, sentiu algo redondo dentro de sua
roupinha.
– O que é isto, minha filha? perguntou.
– É uma maçã, respondeu. Rohan, nosso escravo, trouxe-a há quatro dias e só
aceitou me dar contra dois dinares. Jafar chamou seu escravo e perguntou-lhe:
– Onde conseguiste esta maçã?
– Ó meu amo, – respondeu –, a mentira às vezes nos salva. Mas eu falarei
a verdade. Há cinco dias, passando na rua, vi-a nas mãos de um menino desconhecido e arranquei-a. O garoto
chorou e disse que seu pai tinha ido até Basra comprar três maçãs para curar a mãe doente. Mas não me
importei. Trouxe a maçã e dei-a a esta minha pequena ama.
Jafar ficou abismado ao saber que toda a tragédia fora causada por seu escravo. Levou o escravo ao
califa e fê-lo repetir a história. O califa maravilhou-se com tantas coincidências e riu até que as
lágrimas lhe vieram aos olhos. Perdoou o escravo e fez um rico presente ao viúvo infeliz.
De "As estranhas coincidências da vida" para "Biblioteca"
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