Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

As 1001 noites - A justiça de Karakouss

Karakouss foi um dos déspotas mais esquisitos da história. Seu nome tornou-se símbolo da injustiça, e a sua injustiça tinha um cunho especial, como mostra a seguinte história.


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Quando Karakouss era governador do Cairo, um ladrão tentou entrar numa casa para roubar. Escalou a parede até a janela. Mas a moldura da janela cedeu, e o ladrão caiu na rua, quebrando a perna. No dia seguinte, o ladrão se apresentou perante o governador e disse:
– Vossa Excelência, eu sou um ladrão de profissão. Ontem, tentei entrar numa casa para roubar, mas a moldura da janela era muito fraca; cedeu, e caí e quebrei a perna.

Karakouss ordenou aos seus guardas que trouxessem o proprietário da casa. O proprietário chegou trêmulo. O governador repetiu-lhe a narração do ladrão e acrescentou: “Por que fizeste a moldura da tua janela tão fraca que cedeu e levou este pobre ladrão a quebrar a perna?”

O homem empalideceu; mas ele conhecia o governador. Refletiu rapidamente e disse: – Excelência, não foi culpa minha. Eu paguei ao carpinteiro o bastante para que ele fizesse uma moldura resistente. Por que a fez fraca, não sei.
– Bem pensado, disse o governador. Trazei-me o carpinteiro.

Quando o carpinteiro se apresentou, Karakouss lhe disse:

– Este homem diz que te pagou o suficiente para que instalasses uma boa janela em sua casa. Por que fizeste a moldura da janela fraca demais para aguentar o peso desse pobre ladrão, que caiu e quebrou a perna?

O carpinteiro respondeu:

– Excelência, não foi culpa minha. Quando estava instalando a moldura, uma moça bonita e vestida de vermelho passou na rua; distraí-me e esqueci de colocar os pregos necessários.

Karakouss mandou averiguar quem era a beldade e ordenou que a trouxessem. Quando ela chegou disse-lhe:

– Foi por causa da tua beleza e do teu vestido vermelho que este carpinteiro não fixou bem a moldura da janela e, por conseqüência, este pobre ladrão caiu e quebrou a perna.

A moça respondeu:

– Excelência, a minha beleza é de Alá, e o meu vestido, do comerciante da esquina.
– Trazei-me o comerciante, gritou Karakouss na sua procura da justiça absoluta.

Quando o comerciante chegou, Karakouss lhe disse:

– Tu, miserável comerciante! Por que vendeste um vestido vermelho a essa moça fazendo-a distrair o carpinteiro no seu trabalho e causando a infelicidade desse pobre ladrão?

O comerciante não soube o que responder, e Karakouss ordenou aos seus guardas:

– Levai-o e enforcai-o na porta da prisão.

Mas o comerciante era muito alto para a porta da prisão. Os guardas inteiraram o governador do fato. Karakouss tinha resposta para tudo. Ordenou:

Procurai um comerciante baixinho e enforcai-o no lugar deste.

Os guardas procuraram um comerciante baixinho, trouxeram-no apesar dos seus protestos e enforcaram-no na porta da prisão.

Assim, foi cumprida a justiça de Karakouss.

De "A justiça de Karakouss" para "Biblioteca"

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