Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

As 1001 noites - A princesa Nur An-Nahar



Conta-se, ó rei afortunado, que havia certa vez na antiguidade dos tempos e das idades, um rei valoroso a quem Alá enviara três filhos varões que chamou Ali, Hassan e Hussein. Esses três príncipes foram criados no palácio paterno juntamente com uma prima órfã, a princesa Nur An-Nahar – Luz do Dia – que não tinha quem a igualasse em beleza e inteligência entre as filhas dos homens. O rei pensava casá-la com o filho de algum sultão. Mas assim que ela atingiu a puberdade, o rei deu-se conta de que os seus três filhos estavam apaixonados por ela e tudo fariam para conquistá-la e possuí-la. Na sua perplexidade, pensou: "5e der a adolescente a um de meus filhos, os dois outros murmurarão contra mim. Se a casar com um príncipe estranho, os três murmurarão contra mim."

Após refletir longamente, chamou os três filhos e disse-lhes:
– Sois iguais a meus olhos e não posso preferir um a outro dando-lhe a mão da princesa Nur An-Nahar. Só vejo uma solução: cada um de vós deve partir para uma terra distante e trazer-me a raridade mais curiosa que lá descobrir. Casarei a princesa com aquele que, na minha opinião, voltar com a raridade mais maravilhosa. Se aceitardes essa competição, darei a cada um de vós um escravo e todo o ouro de que precisar no seu empreendimento.

Os três aceitaram, receberam os sacos de ouro que pediram e seguiram viagem disfarçados em mercadores e acompanhados pelo respectivo escravo. Cavalgaram juntos até uma encruzilhada próxima da cidade, de onde partiam três caminhos divergentes. Comemoraram a data com um almoço no khan da encruzilhada e combinaram de se reencontrarem no mesmo local um ano depois, nem mais um dia nem menos um dia. E partiram, cada um tomando um dos três caminhos.

Após três meses, o príncipe Ali chegou ao reino de Bichangarch, nas costas oceânicas da Índia. Hospedou-se no melhor khan e foi dar um passeio no mercado. Todas as ruas eram cobertas para que se mantivessem frescas, e eram agradavelmente iluminadas por clarabóias. Cada rua era reservada a uma só espécie de mercadoria: numa, viam-se finos tecidos da Índia, brocados da Pérsia, sedas da China; outra era cheia de porcelanas e faianças; outra era reservada aos joalheiros; e assim por diante. Todas as mercadorias eram agradáveis à vista e da melhor qualidade. Ali ficou particularmente encantado com o grande número de rapazes que ofereciam flores. E reparou que os indianos gostavam tanto de flores que as carregavam em toda parte, nas mãos, no cabelo, nas orelhas, nas narinas. Além disso, todos os estabelecimentos estavam ornados com vasos cheios de rosas e jasmins. Ali sentiu-se conquistado pelo povo e pelo país. Enquanto caminhava na rua reservada aos tapetes, reparou num pregoeiro que levava debaixo do braço um pequeno tapete de seis pés quadrados e o oferecia por 30 mil dinares de ouro, dizendo:
– Aproveitai a oportunidade. Quem comprar sairá ganhando.



Ali achou o preço absurdo e pediu ao pregoeiro que lhe mostrasse o tapete. Após examiná-lo e não achar nele nada excepcional, disse ao pregoeiro:
– Não vejo em que este pequeno tapete vale o preço exorbitante que estás pedindo. Será que ele tem alguma característica ou poder escondidos?
– É isso mesmo, respondeu o pregoeiro. O tapete tem uma virtude única: quem se sentar nele é transportado para o lugar do mundo onde deseja ir e com a velocidade do raio. Nenhum obstáculo impede a marcha do tapete. As tempestades se afastam. As montanhas, muralhas e outros obstáculos se abrem para deixá-lo passar.

Após falar assim, o pregoeiro começou a dobrar o tapete como para levá-lo e ir embora. Mas Ali deteve-o com um grito de alegria:

– Ó pregoeiro abençoado, se podes provar o que disseste, pagar-te-ei os 30 mil dinares que pedes e mais mil dinares de gratificação.
– Onde estão os 31 mil dinares?
– Em tal khan, respondeu Ali. Irei lá contigo e pagarei assim que tiver tido a prova.
– Sobre minha cabeça e meus olhos, replicou o pregoeiro. Mas esse khan está longe. Iremos mais rapidamente no tapete.

Estendeu o tapete. Os dois se sentaram nele. O príncipe disse aonde queria ir. Antes de terminar sua frase, já estavam na porta do khan com todo o conforto. O príncipe mandou seu escravo pagar os 31 mil dinares e ficou eufórico, considerando que nenhum dos seus irmãos conseguiria maravilha igual e que Nur An-Nahar já era sua. Poderia ter voltado num instante ao reino do pai, mas lembrou-se do compromisso que os três irmãos haviam assumido de se reencontrarem lá no fim de um ano. Passou, pois, o tempo divertindo-se com as maravilhas da Índia, os elefantes, os faquires, os malabaristas, as dançarinas, procurando superar a saudade que tinha da princesa amada.

O segundo irmão, Hassan, foi à Pérsia e chegou à cidade de Chiraz. Instalou-se no melhor khan e foi conhecer o mercado, que lá chamam bazistan. Ficou maravilhado com os tapetes, os brocados, os mosaicos. O lugar estava lotado de vendedores, apressados e barulhentos, disputando entre si a preferência dos compradores. Sua atenção foi atraída por um homem venerável que andava lenta e gravemente, sem gritar como os outros, mas segurando na mão um tubo de marfim como se fosse um cetro de rei.

“Aquele corretor me inspira confiança," pensou Hassan, e dirigiu-se a ele, querendo dar uma olhada no tubo. Mas antes que tivesse chegado a ele, o homem começou a proclamar numa voz altiva:

– Compradores, aproveitai a oportunidade. Apenas 30 mil dinares por este tubo de marfim. O inventor morreu, e nunca haverá outro tubo igual. Trinta mil dinares. Uma pechincha!

O príncipe recuou e perguntou ao proprietário de uma loja:

– Podes informar-me, irmão, se este pregoeiro é louco ou brincalhão?

Respondeu o mercador:

– Ele é o mais honesto e competente dos corretores. Todos nós apelamos para ele nos negócios importantes. Se está oferecendo o tubo por 30 mil dinares, o tubo deve valer ainda mais, embora sua utilidade possa não ser evidente. Se quiseres, vou chamá-lo e poderás interrogá-lo. Entra por favor e descansa.

Hassan sentou-se na loja acolhedora, e o comerciante chamou o corretor, dizendo-lhe:
– Este honrado estrangeiro está surpreso de que peças 30 mil dinares pelo pequeno tubo de marfim. Poderás explicar-lhe o porquê deste preço?

O corretor disse ao príncipe:

– Repara que um lado do tubo está fechado com cristal. Quem olhar através dele verá qualquer lugar do mundo que desejar. Através dele, podes ver teu país, tua cidade, tua família ou qualquer outra pessoa ou objeto, estejam onde estiverem. Não vale esse poderio quase milagroso 30 mil dinares?
– Se o que estás dizendo for real, pagarei os 30 mil dinares e mais mil dinares de gratificação, disse Hassan.
– Podes verificar por ti mesmo, retrucou o corretor. Eis o tubo. Hassan apanhou o tubo e desejou ver Nur Na-Nahar de quem tinha uma saudade dolorosa. Imediatamente, viu-a através do tubo, sentada entre suas escravas no hammam, rindo, olhando para um espelho e brincando. Ficou tão comovido que quase deixou o tubo cair no chão.

Convencido de que não existia maravilha igual, pagou os 31 mil dinares e sentiu-se já na posse da mão de sua amada. Gastou o restante do tempo entre poetas e literatos, tentando memorizar os mais belos poemas da literatura persa.

O terceiro irmão, Hussein, viajou sem acidente até a cidade de Samarkand, onde vosso glorioso irmão Chahzaman reina hoje, ó afortunado rei. No primeiro dia, visitou o mercado, que lá chamam bazar. Enquanto observava a multidão, reparou num corretor levando uma maçã na mão. Era uma maçã do tamanho de um melão, vermelha de um lado, dourada do outro. Hussein ficou fascinado por sua beleza e quis saber qual era seu preço.

– Abri o pregão com 30 mil dinares, mas não a venderei por menos de 40 mil, disse o pregoeiro.
– É, sem dúvida, a maçã mais esplêndida que já vi; mas acho que estás brincando a respeito do preço.
– De maneira alguma, retrucou o pregoeiro. Pois a beleza desta maçã nada representa em comparação com seus benefícios. Ela não é uma maçã natural. Foi confeccionada pelas mãos do homem. Um filósofo concebeu-a após uma vida inteira passada em pesquisas no mundo das plantas e dos minerais. Não existe doença - seja a peste, a escarlatina, a cólera, a lepra ou a aproximação da morte - que o cheiro desta maçã não afaste. Gostarias que curasse um doente diante de teus olhos?

Naturalmente, o príncipe o desejava. Por acaso, passava nesse momento um paralítico carregado numa alcofa. O pregoeiro aproximou-se dele e segurou-lhe a maçã abaixo do nariz. O doente saltou da alcofa no mesmo instante e pôs-se a andar, feito jovem. O príncipe pagou os 40 mil dinares e mais mil dinares de gratificação, convencido de que garantia assim a vitória sobre os dois irmãos e o casamento com Nur An-Nahar. Passou o restante do tempo divertindo-se.

Na data combinada, os três irmãos se encontraram no khan da encruzilhada e exibiram as respectivas maravilhas, a fim de já avaliar a preferência do pai. O primeiro exibiu o tapete e, para demonstrar o seu poder, convidou seus irmãos a sentar-se sobre ele e levou-os até o outro lado da Terra e trouxe-os de volta num instante. Hassan exibiu o tubo de marfim e disse:

– Ó marfim mágico , desejo ver a princesa Nur An-Nahar.

De repente, sua cor empalideceu; e aos irmãos espantados, revelou que a princesa estava gravemente doente e agonizava e convidou-os a verificar o fato, olhando através do tubo. O terceiro irmão interveio então, dizendo:

– Não vos preocupeis. Esta maçã a curará, mesmo se ela estiver à beira do túmulo. Mas devemos nos apressar. A maçã não ressuscita os mortos.

Os irmãos admiraram a maçã e pediram a Alá que ela fosse mesmo capaz de curar a princesa. Os três mandaram os escravos seguir em cavalos e, sentados no tapete, foram imediatamente transportados aos aposentos de Nur An-Nahar, que estava de fato gravemente doente. Hussein segurou-lhe a maçã abaixo do nariz. No mesmo instante, a princesa sentou-se, completamente curada, sorriu aos irmãos e felicitou-os por seu feliz regresso. Contaram-lhe como Hassan a tinha visto, como Ali os trouxera para junto dela e como Hussein a havia curado. Os três correram, então, até o palácio real e apresentaram ao pai as maravilhas adquiridas. Após admirá-las todas e refletir, disse o rei:

– Meus filhos, trouxestes-me um problema delicado. Na minha concepção da justiça, estas três maravilhas são iguais. O tubo de marfim revelou a doença de Nur An-Nahar, o tapete voou até ela e a maçã a curou. Entretanto, cada uma destas maravilhas teria sido inútil sem as duas outras. Minha escolha é tão difícil agora quanto antes. Devo submeter vos à nova prova: que cada um de vós traga um arco e uma flecha e atire. Aquele cuja flecha voar mais longe terá a princesa.

Foi assim que Hassan garantiu a mão de Nur An-Nahar e teve com ela uma vida feliz. Os dois outros não assistiram às bodas, mas consolaram-se pouco a pouco e arrumaram outras noivas.

De "A princesa Nur An-Nahar" para "Biblioteca"

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