Física Quântica - Desenvolvimento e consolidação
Valdir Aguilera
Ao propor que a energia é quantizada, isto é, que existe no universo em forma de pacotinhos chamados quanta de energia, Planck havia lançado uma semente que tardou cerca de um quarto de século para germinar e produzir frutos maduros. Nesse meio tempo, muitos esforços foram despendidos na tentativa de se formular uma teoria geral que explicasse fenômenos observados que se suspeitava ocorrerem no interior do átomo. Já vimos, na edição anterior, que essa teoria veio a ser a Mecânica Quântica. Contudo, como nos ensinou Liebniz, em seu famoso princípio da continuidade, "a natureza não dá saltos", vários passos intermediários foram necessários antes de se chegar ao ponto em que estamos hoje. Vamos examinar rapidamente alguns desses passos.
Niels Bohr - físico dinamarquês que teve papel fundamental no desenvolvimento e interpretação dos novos conceitos que estavam borbulhando na mente dos físicos -, propôs que os elétrons do átomo giram em órbitas circulares em torno de um núcleo central, como os nossos planetas giram em torno do Sol. Este modelo, errôneo é bom assinalar, é popular até os dias atuais. Mas, não é um modelo cativante? Afinal, não dizia Hermes Trismegisto que "o que está em cima é igual ao que está embaixo"? Se Bohr havia ouvido falar de Hermes é algo que podemos apenas supor.
Este modelo simples teve sucesso espetacular na explicação de propriedades do átomo de hidrogênio, o átomo mais simples que existe. Para construir seu modelo, Bohr se baseou em apenas dois postulados: 1. os elétrons se movem em determinadas órbitas sem irradiar energia; 2. os átomos irradiam energia quando um elétron salta de uma órbita para outra. Referindo-se aos seus postulados, Bohr havia dito: "Vamos supor estas coisas e ver o que acontece". O que resultou foi um sucesso enorme.
O primeiro postulado era necessário porque a Física Clássica ensina, acertadamente, que uma carga elétrica em movimento acelerado - o movimento circular do elétron em torno do núcleo é um movimento acelerado - emite radiação, energia eletromagnética. Se, no átomo, o elétron irradiasse, perderia energia e em pouquíssimo tempo cairia no núcleo em uma trajetória fatal, e não existiriam átomos estáveis, não existiria matéria organizada.
O segundo postulado veio acompanhado de uma equação que permitia calcular certa propriedade da radiação diretamente relacionada com as energias associadas às órbitas. Essa equação produziu resultados que correspondiam ao que era observado, e não explicado por outras teorias. Daí o sucesso de Bohr.
Com o modelo de Bohr surgia a Velha Mecânica Quântica, uma interessante mistura de conceitos clássicos e quânticos. Os conceitos clássicos estavam profundamente arraigados nos meios científicos e funcionavam razoavelmente bem. Mas os quanta tinham sedutoramente se infiltrado nas pesquisas teóricas.
Apesar do sucesso da Velha Mecânica Quântica, os físicos ainda não estavam satisfeitos: ela não explicava fenômenos produzidos por átomos que têm mais de um elétron. Ajustes eram necessários.
Um dos primeiros aportes para o enriquecimento do modelo de Bohr foi oferecido pelos físicos holandeses S. Goudsmit e G. Uhlenbeck. Eles sugeriram que, além do movimento de translação ao redor de um centro, os elétrons giravam em torno de si mesmos. Com esta proposta, outros fenômenos puderam ser explicados. Mas, ainda faltava saber como os elétrons se acomodavam em suas órbitas. Foi a vez de um físico austríaco, Wolfgang Pauli, vir prestar socorro.
Pauli enunciou um princípio de exclusão que limita o número de elétrons em cada órbita. O que isso significa? Comparemos, novamente, o modelo de Bohr com nosso sistema solar. Cada planeta ocupa uma órbita específica, caracterizada por apenas um número: sua distância ao Sol. Por seu lado, as órbitas atômicas precisavam de três números para serem caracterizadas. Mas não eram suficientes. A rotação do elétron forneceu uma quarta informação que, com as três demais, caracterizam completamente as órbitas atômicas. Foi o que propôs Pauli: dois elétrons que tenham associado a si o mesmo conjunto daqueles quatro números não podem ocupar simultaneamente a mesma órbita. Que números são estes? Um deles está associado com a energia do elétron no átomo; dois com seu movimento de translação em torno do núcleo central; e, o quarto com seu giro em torno de si mesmo.
Como um dos nossos propósitos é desmistificar a Física Quântica, apontando erros comuns que se cometem em nome dela, deixemos claro que a maioria dos físicos modernos não considera o átomo como formado de elétrons que giram em torno de um núcleo central. Para eles, esta descrição é ultrapassada e não tem sentido. Preferem admitir que os elétrons do átomo formam uma espécie de nuvem que envolve o núcleo atômico e que uma trajetória não pode ser definida com precisão.
O próximo passo para a consolidação da Mecânica Quântica foi dado por um francês, Louis de Broglie, que estudava História e a deixou para se dedicar à Física e Matemática, seduzido pelos acontecimentos que vimos descrevendo. Ele ficou sabendo que Einstein tinha usado a ideia dos pacotinhos de energia de Planck para explicar como a luz conseguia arrancar elétrons de metais, um fenômeno conhecido como efeito fotoelétrico - hoje com incontáveis aplicações. Antes de Einstein, considerava-se que a luz se propagava como ondas. Com esse comportamento ondulatório, para arrancar um elétron de metais seria necessário esperar muito tempo, e a emissão eletrônica era imediata, no mesmo instante em que a luz incidia sobre metais os elétrons jorravam como uma enxurrada. O que Einstein propôs foi que, além de se propagar como ondas, a luz também podia se mover como um punhado de pacotinhos que ele chamou de fótons. [Uma curiosidade: foi pela explicação do efeito fotoelétrico que Einstein abiscoitou o Prêmio Nobel de Física; não foi pela Teoria da Relatividade!]
Voltando a de Broglie, ele estendeu à matéria essa propriedade dual da luz conjeturando que "se a luz pode se comportar ora como onda ora como partícula (os fótons), um elétron também pode". Ou seja, um elétron pode se comportar como uma partícula ou como uma onda, dependendo do fenômeno que vai produzir. Mais tarde confirmou-se experimentalmente que em dadas condições um feixe de elétrons produzia efeitos que exigem deles um comportamento ondulatório!
Todos estes acontecimentos mais a equação de Schroedinger, que apresentamos na edição anterior, consolidaram a Mecânica Quântica, a mais preciosa jóia da Física Quântica.
Para concluir, faltava ainda acomodar a Teoria da Relatividade de Einstein. Foi Paul A. M. Dirac, um físico inglês, quem desenvolveu a Mecânica Quântica Relativista. Foi este passo que levou à hipótese - confirmada posteriormente -, da existência de um anti-elétron e, finalmente, da anti-matéria.
(Este artigo foi publicado originalmente no jornal A Razão, de junho de 2012.)
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