Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 12
Buda e a mitologia do cristianismo

José Alves Martins

À semelhança do que se diz de Jesus, também Buda teria andado sobre as águas

A imaginação oriental envolveu a existência de Buda em numerosas lendas e mitos. Muitos começaram a segui-lo e a venerá-lo não por causa de suas idéias avançadas, mas por causa de supostos milagres que lhe eram atribuídos pela credulidade popular. Enfim, o povo passou a ver em Buda não o filósofo, que realmente era, mas um milagreiro, um mágico sagrado. Não é de estranhar que após a sua morte, ele próprio, que não acreditava em divindades, tenha se convertido no deus de uma nova religião, conforme assinalamos no artigo anterior.

O que, de fato, nos surpreende, é que essa mitologia criada em torno de Buda viesse a se tornar, transpondo os limites do tempo e do espaço, uma das influências na estruturação do cristianismo primitivo, conforme constatação de estudiosos. Com efeito, copiada ou adaptada, em parte, pelos autores dos Evangelhos cristãos e outros mentores da Igreja de então, foi um dos elementos que contribuíram para compor a figura mítica do Cristo da fé, que suplantou e substituiu o personagem histórico chamado Jesus, do qual, infelizmente, muito pouco se sabe.

A análise crítica dessa figura mitológica criada pela Igreja foi um movimento empreendido pelo racionalismo iluminista a partir da segunda metade do século XVIII. Essa corrente filosófica não podia admitir a aura mística criada pelo cristianismo em torno da figura humana de Jesus, e desde então passou a negar os milagres a ele atribuídos, explicando-os como acontecimentos naturais.

Em seguida, ousando ainda mais, passou a negar até mesmo a credibilidade histórica de toda a narração biográfica dos Evangelhos, produto, segundo essa corrente, da imaginação dos primeiros cristãos, que criaram mitos em torno do personagem histórico de Jesus. Mitos esses baseados nas profecias do Antigo Testamento e nos empréstimos de numerosas tradições religiosas, incluindo o budismo, muitas vezes tomados tal qual se apresentavam nas crenças originais.

Assim, entende-se por que alguns autores racionalistas, filhos do Iluminismo, enxergaram na religião cristã uma evolução natural do budismo. De fato, apontaram- se notáveis concordâncias e analogias de certos pontos da narração evangélica com acontecimentos lendários da existência de Buda e mesmo com certos preceitos de sua doutrina.

A propagação de tais idéias, obviamente, provocou na época muita celeuma e escândalo nos meios conservadores, no seio do clero católico, principalmente.

Entre essas semelhanças, citaremos apenas alguns exemplos mais flagrantes.

Narram os Evangelhos que Jesus teria andado sobre as águas do lago de Genesaré, na Galiléia. Buda, que viveu no século VI antes de Cristo, também teria realizado igual feito, na Índia, de acordo com a mitologia budista.

Ainda segundo os Evangelhos, Jesus teria sido tentado pelo demônio ao se retirar para o deserto antes de dar início à divulgação de seus ensinamentos na Palestina de então, tendo Satanás, entre outras propostas, oferecido a Jesus o governo de todos os reinos da Terra.

Ainda segundo a mitologia budista, Buda também teria sido tentado pelo demônio, antes de iniciar a pregação de sua doutrina entre os indianos, tendo o tentador lhe oferecido, igualmente, os poderes e prazeres de um reino terreno.

Para encerrar, pois está acabando o nosso espaço, também à semelhança de Buda, o homem Jesus converteu-se no deus de uma nova crença, o cristianismo, que tem hoje bilhões de adeptos. Justamente ele, que, tal como o fundador do budismo, era contra a religião como instituição, combatia as exterioridades dos cultos religiosos e nunca disse que era Deus, pelo menos não mais que todo mundo.

A título de informação, Jesus é adorado pelos cristãos como a segunda pessoa da chamada "Santíssima Trindade" (Pai, Filho e Espírito Santo), divindade criada pela teologia católica nos primeiros séculos da Igreja.

Como foi dito acima, a mitologia do cristianismo recebeu contribuições e empréstimos também de outras fontes, além do budismo, principalmente de antigas tradições religiosas das regiões mediterrâneas. Voltaremos ao tema em outro momento, de acordo com o roteiro cronológico que traçamos para esta história do racionalismo.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de março de 2007, www.arazao.com.br)


 

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