Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 18
Um filósofo à procura de um reino

José Alves Martins

Desde cedo Confúcio revelou-se um ser humano invulgar

Encerro nesta edição a série de três artigos sobre a vida de Buda, Lao-Tsé e Confúcio, que escrevemos a pedido de companheiros, já que havíamos omitido as informações biográficas a respeito desses filósofos nos artigos em que falamos sobre suas doutrinas. Nas duas últimas edições contamos a vida de Buda e Lao-Tsé.

Esses três mestres, voltamos a lembrar, tentaram despertar o místico Oriente para a realidade e a beleza de suas idéias e doutrinas expurgadas de divindades, crenças e dogmas religiosos. Foram os principais representantes, naquela parte do planeta, do movimento racionalista surgido, simultaneamente, no século VI antes de Cristo, em vários países.

Quando Confúcio nasceu, diz a tradição, Shuh-liang Heih, seu velho pai, ficou maravilhado com as enormes orelhas da criança, pois os chineses acreditavam que orelhas grandes eram sinal de sabedoria. "Será um homem sábio", profetizou o pai, radiante. Por isso deu ao menino o nome de Kung-fu-tsé, que significa "o sábio sr. Kung".

Confúcio (latinização do termo Kung-fu-tsé) revelou-se, de fato, desde cedo, um ser humano invulgar, pelo brilho de seu espírito e pela grandeza de seu caráter. Suas idéias exerceram profunda influência não apenas sobre a China, mas sobre a civilização de toda a Ásia oriental, tornando-se ele o mais célebre filósofo chinês da Antiguidade.

Descendente de um ramo decadente da nobreza, nasceu no Estado de Lu, e teria vivido de 551 a 479 antes de Cristo, período em que os imperadores da dinastia Zhou tinham perdido sua autoridade sobre o país, e a China vivia uma fase de anarquia e de guerra entre os principados.

Tinha apenas três anos quando perdeu o pai e, ainda adolescente, teve de sustentar a mãe. Aos 17 foi nomeado guarda dos suprimentos de cereais, em seu Estado, o que lhe proporcionou condições financeiras para casar-se quando completou 19 anos.

Confúcio prosperava em seu emprego, mas desejava, acima de tudo, ser professor. E, três anos depois da morte de sua jovem mãe, resolveu seguir sua real vocação: abandonou o cargo e a segurança que ele lhe garantia, e partiu, com a mulher e o filhinho, à procura de discípulos. "Vivo agora", disse então, "ao norte, ao sul, a leste e oeste".

Viajando em carro de boi, de cidade em cidade, parava aqui e acolá para descansar e conversar com seus seguidores e com o povo, disseminando por onde passava os seus princípios. Era sua ambição desenvolver em seu país uma raça nova de homens superiores. Dos ricos aceitava pequenas quantias em troca de seus ensinamentos; dos pobres, uma medida de arroz ou um pedaço de carne seca.

Ao iniciar sua vida de professor errante, o jovem Confúcio foi à procura de Lao-Tsé, o Velho Mestre, com quem manteve longos diálogos, circunstância que, mutatis mutandis, se repetiria, posteriormente, entre Platão e Sócrates, na Grécia, bem como entre Jesus e João Batista, na Judéia.

Para educar seu povo, dizem os estudiosos, sentiu que devia, primeiro, assegurar- lhe um governo justo. Conseqüentemente, viajava pelas províncias oferecendo seus serviços aos príncipes que se dispusessem a ouvi-lo. "Era um filósofo à procura de um reino – uma das procuras mais singulares de toda a História", observa um de seus biógrafos.

Confúcio sonhava ocupar um cargo administrativo no qual pudesse pôr em prática suas idéias. Com exceção, porém, de uma rápida passagem por um ministério em seu Estado, não chegou a concretizar o seu sonho, pois os governantes consideravam perigosas suas doutrinas.

Dedicou-se então a transmitir seus princípios morais e filosóficos aos jovens, formando grupos de discípulos e adotando métodos informais, baseados em diálogos, e jamais assumia postura dogmática ou autoritária.

Muitos anos errou ele pelo país, acompanhado pelos discípulos fiéis. Freqüentemente, porém, dizem os cronistas antigos, os ouvidos dos homens relutavam em ouvi-lo e, às vezes, ao falar ao povo, era apupado e apedrejado.

Disse, certa vez, já no ocaso da vida: "Confúcio é um homem que, na sua ansiosa busca de saber, esquece o alimento; que, na alegria de sua obtenção, esquece os pesares, e não percebe a aproximação da velhice".

Segundo a tradição, o mestre chinês teria sido enterrado em Qufu, pequena cidade de seu Estado natal, transformada atualmente em centro de peregrinação.

"Sua fama póstuma", diz um historiador, "foi tão grande quanto o abandono que sofreu em vida. Os imperadores mandaram colocar seu retrato em lugar de honra, gravar em pedra as suas máximas, construir templos em seu nome e oferecer-lhe sacrifícios quatro vezes por ano. Antes que houvessem passado muitas gerações, foi designado com o título de Diviníssimo."

Porém, no fervor do culto e da divinização de Confúcio, quase todos esqueceram a postura pragmática e racionalista que o filósofo adotara e preconizara durante a vida, bem como o bom senso destas suas palavras: "Tudo o que me podem chamar é isto: um estudioso insaciável, um mestre infatigável; isso, e nada mais".

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de setembro de 2007, www.arazao.com.br)


 

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