História do racionalismo - 20
Assim falou Zaratustra
José Alves Martins
Uma existência envolta em mitos, contemporânea dos filósofos pré-socráticos
Zoroastro (ou Zaratustra), fundador do zoroastrismo, nasceu na Pérsia (atual Irã) e sua existência,
envolta em mitos e lendas, situa-se, aproximadamente, entre 628 e 531 antes
de Cristo. Foi, portanto, contemporâneo dos filósofos pré-socráticos e de outros
precursores do racionalismo, no século VI a.C., sobre os quais já falamos. Seu verdadeiro
nome, Zaratustra, foi alterado na língua grega e na latina para Zoroastro,
sendo essa versão a mais conhecida.
Segundo a tradição, teria pertencido a uma antiga escola de magos da Média,
região da Pérsia onde nasceu. Por ter idéias próprias em matéria religiosa,
abandonou essa escola e viajou para outras regiões do país e, depois de longas
meditações, começou a pregar sua doutrina, aos 40 anos (a mesma idade
em que o Zaratustra de Nietzsche iniciou a dele).
Coube a Zoroastro reformar a antiga religião dos persas, o masdeísmo, do qual
conservou alguns conceitos, como a concepção dualista do Universo. Repeliu os
cultos idólatras e politeístas, bem como um conjunto de crenças populares e rituais
primitivos, entre os quais a prática de sacrifícios sangrentos, estabelecendo o
monoteísmo em seu país.
Sua doutrina original não requeria templos nem sacerdotes. Tampouco dava
importância a cerimônias religiosas e a orações. "O que lavra a terra com dedicação
tem mais mérito espiritual do que poderia obter com mil orações sem nada
fazer". À semelhança do budismo, opunha-se ao ascetismo. Proibia, portanto,
o jejum e que alguém infligisse sofrimento a si próprio, por considerar tais práticas
prejudiciais ao espírito e ao corpo.
Da reforma do masdeísmo resultou, mais que uma religião, uma sublime
filosofia de vida impregnada de elevados conceitos morais e éticos. "Tendo em
conta a sua antiguidade", diz um especialista, "é a mais alta
religião que a razão humana alcançou com as próprias forças. Com base no
livre-arbítrio e regida por preceitos semelhantes aos do cristianismo,
foi talvez a mais perfeita da Antiguidade".
"O homem deve tratar o outro do mesmo modo como deseja ser tratado."
Por isso, a regra de ouro de Zoroastro é: "Age como gostarias que agissem contigo",
que, "por uma coincidência, dessas que descem do além", como diria Castro
Alves, é a mesma proclamada por outro mestre, seu contemporâneo, o chinês
Confúcio e, cinco séculos mais tarde, por Jesus.
O sistema ético-filosófico de Zoroastro prescreve, pois, a crença num deus único,
Ahura Masda ("masda" significa onisciente), a quem se atribui o papel de criador
e guia absoluto do Universo. Esse Ser Primordial, pai de todas as coisas, é o
princípio do bem, da vida e de tudo quanto é positivo.
"Ahura-Masda, que tudo cria e sustenta, partilha a sua divindade com todos os
seres. Deus está na pessoa dos seus irmãos de todo o mundo. Agora, sabendo
disso, você pode anunciar essa mensagem libertadora a todos os homens",
teria dito a entidade espiritual que se manifestou a Zoroastro antes de o profeta
dar início à sua missão reformadora.
O zoroastrismo caracteriza-se também por um dualismo ético e cósmico que implica
a luta, desde sempre, entre o princípio do bem (Ahura-Masda) e o do mal
(Arimã), presentes e atuantes em todos os elementos e esferas do Universo, incluindo,
no caso dos seres humanos, o âmbito individual e coletivo.
Nessa luta contínua, Arimã comanda entidades demoníacas para provocar todo
tipo de mal aos seres humanos, como a guerra, a morte, a doença, o sofrimento...
E esse embate permanente entre as forças do bem e as do mal constitui a
história do mundo. Assim, a humanidade é assistida por espíritos bons ou por espíritos
maus, dependendo do uso que faça do livre-arbítrio: para o bem ou para
o mal.
O zoroastrismo influenciou em diversos aspectos doutrinários a religião dos
judeus na época do Exílio (século VI a.C.) e, depois, o cristianismo e as diversas formas
de maniqueísmo.
A bem da verdade, além de certos conceitos éticos e morais herdados da
doutrina de Zoroastro, o cristianismo, em seus primeiros séculos, tomou também
de empréstimo, como fez em relação a outras religiões antigas, diversos elementos
da mitologia criada em torno do zoroastrismo e de seu fundador. O mito
da criança nascida de uma virgem, os conceitos de paraíso, inferno e purgatório,
a ressurreição dos mortos no fim dos tempos e o Juízo Final são alguns
exemplos desses empréstimos incorporados pela Igreja à sua teologia.
O livro Assim falou Zaratustra, obra capital do filósofo alemão Friedrich
Nietzsche (1844-1900), apesar de inspirado na figura do profeta, pouco tem a
ver com sua doutrina. Na verdade, Nietzsche usa a máscara do lendário sábio persa para expor as próprias
idéias, principalmente sua filosofia do eterno retorno e da futura vitória do superhomem
(tipo superior de humanidade, sem religião) sobre a moral cristã e "seu
ascetismo servil". O estilo do livro, altamente poético, lembra os profetas hebraicos
e a predileção do autor pelos filósofos pré-socráticos.
(Publicado originalmente no jornal A Razão, de novembro de 2007, www.arazao.com.br)
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