Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 21
A mitologia cristã é plágio?

José Alves Martins

Uma semelhança entre religiões e lendas é a referência a mães virgens

Como dissemos aqui há alguns meses, ao escrever a respeito de Buda, e no artigo do mês passado, sobre a doutrina de Zoroastro, a mitologia do cristianismo recebeu contribuições ou empréstimos não só do budismo e do zoroastrismo, mas também de outras fontes, entre as quais se incluem antigas tradições religiosas das regiões mediterrâneas. De fato, apontam-se tantas concordâncias e analogias entre os mitos da teologia cristã e as lendas e crenças de religiões de épocas anteriores que o pesquisador Max Sussol chega a chamar de plágio muitas das tradições ditas cristãs.

Dentre essas tradições, destaque-se, por exemplo, o culto prestado pelos católicos à Virgem Maria, derivado, sob quase todos os aspectos, como diz o erudito James Frazer, dos antiqüíssimos mistérios dedicados a Ísis, divindade egípcia. Poderíamos, ainda, enumerar aqui muitos desses "plágios", além dos já citados nos mencionados artigos, mas vamos nos limitar nesta edição a dois temas: a chamada concepção virginal do Cristo mitológico e o Natal.

Verifica-se entre as diversas religiões e lendas, como mostram os estudiosos, uma semelhança no que diz respeito aos seres míticos: são, geralmente, filhos de mães virgens, que conceberam por obra de alguma entidade superior.

As lendas sobre filhos gerados por mulheres virgens são numerosas, constituindo tal mito uma idéia corrente já muito antes do cristianismo, que, portanto, a copiou de tradições mais antigas. Em países do Extremo Oriente, como China, Tibete e Índia, 2 mil ou 3 mil anos antes de Cristo, entidades mitológicas e fundadores de religiões eram considerados "filhos de mães virgens e puras", informa outro erudito.

De acordo com antigos anais da China, o primeiro imperador desse país, Fo-Hi, grande herói e benfeitor do povo chinês, que viveu há cerca de 5 mil anos, seria fruto de uma concepção virginal, e sua mãe, Ching-Mu, tida como santa, viria a se tornar uma das divindades chinesas.

Citam-se ainda como exemplos de concepção virginal ou "nascimento sobrenatural" em épocas anteriores ao advento do cristianismo: Buda e Zoroastro, fundadores, respectivamente, do budismo e do zoroastrismo; Orus, divindade egípcia, filho de Ísis; na mitologia romana, Baco, filho de Ceres, a quem os antigos gregos chamavam de "santa virgem"; na mitologia grega, um deus concebido por uma virgem divina tinha sua data de nascimento comemorada no solstício de inverno do hemisfério Norte. Ou seja, o dia 25 de dezembro...

A cidade francesa de Chartres, sede da famosa catedaral de mesmo nome, era o lugar em que se reuniam os druidas, dois séculos antes de Cristo, para venerar a Virgem-Mãe numa gruta situada no local onde se ergue atualmente a catedral.

Quanto à data do Natal, sabe-se que só foi instituída pela Igreja no século IV da era cristã, para substituir a festa pagã realizada em Roma no solstício de inverno, dia 25 de dezembro, em honra do deus Sol. Já a Igreja Ortodoxa russa (cristãos separados da Igreja romana que seguem a fé oriental de rito bizantino) comemora o seu Natal no dia 10 do mesmo mês.

Segundo os especialistas, os cristãos primitivos dos três primeiros séculos não só aceitavam o fato de que a data do nascimento de Jesus era desconhecida, como também não sentiam a necessidade de celebrar sua vinda ao mundo. Para a Igreja desse período, a morte e a resurreição do seu Cristo mitológico tinham muito mais importância do que seu nascimento.

Além de ser tal data totalmente improvável do ponto de vista histórico, acrescente-se que dezembro é inverno na Palestina e, assim sendo, nem a criança nem a mãe resistiriam ao frio rigoroso nas precárias condições de um estábulo. Tampouco, em tal época, os pastores estariam nos campos, como afirmam as narrativas evangélicas.

As festas pagãs do dia 25 de dezembro eram de grande interesse e importância para as massas. No começo do século IV, o imperador Constantino havia proclamado o cristianismo religião oficial do Império Romano. Então, no ano 336, agindo de acordo com seus interesses políticos e sua tendência sincretista, concluiu que seria muito oportuno unir o culto do deus Sol com o de Cristo, o que lhe parecia fácil, por ser o Sol, segundo os cristãos, um dos símbolos de Cristo. Para isso teve o apoio de importantes autoridades da Igreja, que habilmente se empenharam em apropriar-se da imensa popularidade do culto a Mitra – o Sol Invicto –, e com o prestígio e entusiasmo de Crisóstomo, um dos mais destacados pregadores cristãos da época, fatores que muito contribuíram para estabelecer a data no calendário cristão.

Na década de 1980, pesquisas arqueológicas indicaram que, provavelmente, Jesus nasceu entre fins de junho e começos de outubro do ano 12 d.C. e que a estrela que guiou os Reis Magos a Belém pode ter sido o cometa de Halley. Mas ele teria nascido realmente em Belém? Uma corrente de pesquisadores do Jesus histórico afirma que nada se pode comprovar a tal respeito.

Outros teorizam que seu nascimento ocorreu alguns anos antes da era cristã, a ser verdade uma referência no Evangelho de Mateus segundo a qual Herodes, o Grande, que morreu no ano 4 antes de Cristo, ainda vivia quando Jesus nasceu.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de dezembro de 2007, www.arazao.com.br)


 

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