História do racionalismo - 22 O templo perde importância
José Alves Martins
Nova espécie de homens se elevava acima das vidas comuns, nos séculos VII e VI a.C.
A História nos mostra que um novo fator surgia e tomava vulto nos séculos VII e VI antes de Cristo. Nova espécie de homens, mentalmente independentes, se elevava acima das vidas comuns, das massas iletradas e sem curiosidade, e começava a inquirir, a indagar, trocando conhecimentos e opiniões, pensando por si próprios, desenvolvendo idéias, à revelia do templo ou do poder sacerdotal.
Nascia e avançava a corrente que seria, desde então até os nossos dias, uma das forças dominantes da sociedade humana – a inteligência livre da humanidade, ou livre-pensamento. Ele tornaria possível o nascimento da filosofia e da ciência e, na Idade Moderna, o Estado laico (separado da religião), as liberdades e direitos do homem e – por que não dizer? – o surgimento do Espiritismo Racional e Científico Cristão (posteriormente denominado Racionalismo Cristão), codificado pelo livre-pensador Luiz de Mattos em 1910.
A essa altura, é oportuno lembrar que, anteriormente, já havíamos chamado a atenção para a libertação da escrita e do saber. Nascidos no templo e, portanto, sujeitos e confinados durante longo tempo ao limitado ambiente do sacerdotalismo, conseguiram, gradativamente, emancipar-se e ganhar o ar livre da inteligência independente.
Com efeito, nos séculos VII e VI a.C., o ler e escrever, o registro e a história já não eram, havia muito, funções e conhecimentos restritos aos sacerdotes ou mesmo aos escribas da corte. Tratava-se agora, no entanto, de um transbordamento de idéias filosóficas, morais e éticas para a comunidade em geral.
Já falamos do alheamento teológico que caracteriza as doutrinas de Buda, Lao-Tsé, Confúcio, Zaratustra (ou Zoroastro) e dos profetas. Eles procuraram despertar seus compatriotas para a realidade e a beleza de suas sublimes filosofias de vida, expurgadas, em sua pureza original, de divindades, sacerdotes, sacrifícios e rituais religiosos. Esse alheamento teológico caracteriza também os fundadores da filosofia grega, chamados pré-socráticos, e seus sucessores.
Também no campo do direito, efetua-se, nessa época, na cidade-Estado de Atenas, "a passagem do sacro ao racional profano". Sólon, um dos sete sábios da Grécia, estadista e legislador, "confiante na racionalidade imanente (inseparável) à vida da sociedade", é representante típico, na área política e na ciência de legislar, dessa tendência racionalista.
Sustentava, em decorrência dessa racionalidade, que cabe unicamente ao ser humano a responsabilidade dos próprios atos, devendo o homem, portanto, emancipar-se da ilusória tutela dos deuses, reconhecendo-se como responsável pelo próprio destino. Daí sua histórica afirmação de que Atenas não pereceria pela vontade dos deuses, mas pela violência, ambição e estupidez de seus próprios cidadãos, palavras que, na verdade, lembram muito o discurso dos profetas judeus.
A propósito, é oportuno observar que a atividade profética e sua influência não se circunscrevem, afirma um historiador, ao povo judaico. Os profetas são o resultado, segundo ele, do já citado desenvolvimento da consciência livre da humanidade, algo de novo surgindo em vários países.
"O cair de nações e reinos e a conseqüente formação dos grandes impérios daquela época, a destruição de cultos e de sacerdócios, o descrédito mútuo entre os templos decorrente de suas rivalidades e disputas eram as principais influências que estavam despertando a alma humana para uma visão espiritual mais larga e mais livre. Os templos perdiam sua influência e seu domínio sobre o espírito do homem. Este já não encontrava segurança e conforto nos sacrifícios, no ritual e nas devoções formalísticas dos templos."
Tal era a situação, informa ele, quando os profetas dos séculos VII e VI a.C. começavam a espalhar por toda parte a idéia de um Deus único e universal e a falar da promessa de que, algum dia, o mundo chegaria à paz, à unidade e à felicidade. Esse grande Deus que os profetas revelavam agora aos homens vivia num templo que não era feito pelas mãos humanas; era o próprio Universo infinito e eterno. Não resta dúvida de que essas grandes idéias e ideais proféticos estavam circulando não só entre os hebreus e outros povos semíticos, mas também na Babilônia, Egito e outros países.
(Publicado originalmente no jornal A Razão, de janeiro de 2008, www.arazao.com.br)
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