Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 23
Prelúdios da filosofia grega - 1

José Alves Martins

Hesíodo abriu o caminho para a cosmologia filosófica, deixando de lado o mito

A filosofia propriamente dita e a ciência, dois representativos legados do racionalismo ocidental à civilização humana, nasceram na Grécia antiga, no século VI antes de Cristo.

De antemão, porém, cumpre lembrar que não havia, à época em que surgiram, distinção entre filosofia e ciência. Em sua origem, ambas se identificam. Só depois da Idade Média é que se demarcarão os contornos distintivos entre essas duas áreas do conhecimento. Em seus inícios, o que se entendia por filosofia ou ciência era a maneira racional de ver e interpretar o mundo, diversa do modo mítico-religioso que antecedeu a idade da razão na Grécia, inaugurada por seus primeiros filósofos, os chamados pré-socráticos.

Não é possível, no entanto, segundo os especialistas, entender a filosofia helênica sem prévia noção a respeito da literatura, religião e condições sociopolíticas e econômicas da Grécia no período anterior ao advento desses primeiros filósofos. Comecemos, pois, pela literatura.

Nos séculos que precederam o nascimento da filosofia grega, os antigos bardos, como se chamavam então os poetas entre os povos de origem ariana, exerceram papel de extraordinária importância na educação e na formação espiritual do homem grego. Em nenhuma outra civilização os poetas tiveram semelhante influência sobre seu povo.

Com efeito, em seu período de formação, o helenismo buscou alimento espiritual sobretudo nos poemas épicos atribuídos a Homero – a Ilíada e a Odisséia –, uma vez que não havia "textos ou livros sagrados" nessa nação que viria a ser a terra por excelência do racionalismo na Antiguidade.

Os poemas homéricos exerceram sobre os gregos influência semelhante à exercida pela Bíblia sobre o povo hebreu, compara um historiador. Dizem também os eruditos versados no idioma grego antigo que a Ilíada e a Odisséia expressam tal sabedoria, tal beleza e esplendor, que tradução nenhuma faz inteira justiça a tantos méritos, a tanta grandeza.

Segundo o mesmo historiador, já se revelam nesses poemas certas características do espírito grego que viriam a ser essenciais para a criação da filosofia.

De fato, exemplifica ele, "Homero tem grande senso da harmonia, da proporção, do limite e da medida; não se limita a narrar uma série de fatos, mas também pesquisa suas causas e razões; procura, embora de maneira mítica, apresentar a realidade em sua inteireza (deuses e homens, céu e terra, guerra e paz, bem e mal, alegria e dor – totalidade dos valores que regem a vida do homem)".

Hesíodo, o outro épico da poesia grega, que parece ter vivido na mesma época de Homero, século VIII a.C., e os poetas gnômicos dos séculos VII e VI a.C. foram também de grande importância na educação e formação espiritual do povo grego.

O poema Teogonia, de Hesíodo, que relata o nascimento dos deuses, é, em última análise, uma explicação mítico-poética da origem do Universo e dos fenômenos cósmicos. Abriu, assim, o caminho para a posterior cosmologia filosófica, que, deixando de lado a fantasia e o mito, buscará com a razão o "princípio primeiro" que tudo criou.

Os poetas posteriores aos dois grandes épicos gregos, bem como o próprio Hesíodo, com seu outro poema As obras e os dias, imprimiram na mentalidade grega alguns princípios que também seriam essenciais para a formação do pensamento filosófico na Grécia antiga.

Aos poetas líricos, coube consolidar na cultura helênica o conceito da justa medida, valor central da filosofia grega em seu período clássico (séculos V e IV a.C.).

Cite-se, ainda, o conhecido verso gravado no frontispício do templo de Delfos: Gnothi se auton (Conhece-te a ti mesmo), de autoria, talvez, de um dos poetas gnômicos ou, quem sabe, de um dos antigos sábios da Grécia. Essa famosa sentença, que foi o mote do pensamento de Sócrates, seria também um dos princípios basilares de toda a filosofia grega, desde o seu alvorecer no século VI a.C., com os pré-socráticos, até o seu ocaso no século VI da era cristã, com os últimos pensadores neoplatônicos.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de fevereiro de 2008, www.arazao.com.br)


 

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