Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 26
Prelúdios da filosofia grega - 4

José Alves Martins

Graças às condições políticas e socioeconômicas surgiram a filosofia e a ciência

Além da poesia e da religião, as condições sociopolíticas e econômicas da Grécia nos séculos VII e VI antes de Cristo também favoreceram o surgimento da filosofia no mundo grego, constituído pela Grécia e suas colônias.

De fato, opera-se nessa época uma das marcantes viradas culturais na história da civilização grega, e sua origem deve ser procurada nessas transformações sociais, políticas e econômicas que então se processavam.

A virada radicava-se, principalmente, na constituição e consolidação da Pólis, ou Cidade-Estado, cuja prática política e estilo de vida constituíram a síntese de todo o helenismo.

A Grécia deixou de ser um país predominantemente agrícola, passando a se desenvolver de modo sempre crescente nos segmentos do comércio e do artesanato, principalmente em suas colônias.

Essa nova classe de cidadãos enriquecidos no comércio e no artesanato alcançou notável força econômica e se opôs ao poder político então totalmente concentrado nas mãos da nobreza, tradicionalmente ligada à economia agrária.

Dessa luta resultaria a transformação das velhas formas aristocráticas de governo em novas formas republicanas e, com estas, o acentuado senso de liberdade do povo grego, o primeiro na História a criar instituições políticas livres.

Suplantado pelas reformas sociais agora em andamento, desaparecera o "monopólio sacral" (relativo ao "sagrado", ao "divino", à religião) exercido pelo poder real e depois pelo regime aristocrático que sucedeu a monarquia.

O terreno, para isso, vinha sendo preparado desde os tempos em que se passam os acontecimentos relatados nos poemas de Homero, quando já não existia o soberano isolado, investido pelos deuses de "poder divino". O "basileus" (o rei) era, então, apenas um "primus inter pares" (o primeiro entre seus iguais), com os quais compartilhava seu poder. Sua autoridade repousava no consenso gerado entre eles, e não numa "investidura divina".

A justiça, que sempre estivera muito ligada a esse monopólio sacral, agora se identifica mais com as reivindicações sociais e as mudanças delas decorrentes. Vista desde então como uma das expressões da racionalidade, o acesso a ela há de ser possível a todos os cidadãos por meio da discussão, do uso democrático da palavra ("logos", em grego, termo que, entre outros sentidos, significava razão).

Também no campo da política e do direito, efetua-se, nessa época, "a passagem do sacral ao racional profano", o que se deve, sobretudo, ao papel preponderante exercido por Sólon (640-558 a.C), estadista e legislador ateniense, considerado um dos sete sábios da Grécia.

A tirania (governo dos tiranos) veio, em seguida, acelerar o processo de laicização (independência do Estado da influência religiosa) e possibilitou às citadas camadas ricas, mas não pertencentes à classe tradicional dos nobres, o acesso às magistraturas, ao conselho e à assembléia. (O termo tirania não tinha, na Grécia antiga, o sentido que lhe damos hoje. Significava o poder exercido por governante absoluto e independente, mas com o apoio do povo.)

Concluindo, relembramos: graças a essas favoráveis condições sociopolíticas e econômicas do mundo grego nos séculos VII e VI a.C., bem como aos fatores apresentados aqui anteriormente, referentes à mesma época, tornou-se possível o surgimento da filosofia e da ciência – marco inicial de fundamental importância dos caminhos da razão no Ocidente.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de maio de 2008, www.arazao.com.br)


 

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