Pitágoras: tudo é número
José Alves Martins
No lugar de Dioniso, colocou a matemática, provocando profunda modificação no orfismo
Pouco se sabe da vida de Pitágoras. Nasceu em 571 ou 570 antes de Cristo, na Ilha de Samos, que rivalizava comercialmente com Mileto. Segundo a tradição, era filho de um cidadão abastado, chamado Mnesarcos, mas havia também os que acreditavam na lenda de que era filho do deus Apolo.
No tempo em que viveu, um velho patife, imensamente rico, de nome Polícrates, assumiu o governo de Samos. Pitágoras, insatisfeito com a situação política em sua pátria, deixou Samos e radicou-se na cidade de Crotona, uma das ricas colônias gregas do sul da Itália. Diz-se também que viajou para o Egito, tendo adquirido grande parte de seu saber durante o tempo em que lá permaneceu.
Em Crotona, fundou, com seus discípulos, uma sociedade científico-espiritualista, de onde se irradiou o pitagorismo para as demais cidades da Magna Grécia. Era também projeto de sua sociedade contribuir para a reforma política. Isso, porém, levantou perigosas oposições contra ele, que se viu obrigado a fugir para a cidade de Metaponto, onde veio a morrer por volta de 497 antes de Cristo.
As descobertas científicas e matemáticas de Pitágoras e seus discípulos constituem a grande contribuição do pitagorismo para o racionalismo grego, iniciado pelos filósofos da escola de Mileto.
A astronomia pitagórica representa um progresso sobre a dessa escola. De fato, Pitágoras e seus continuadores afirmavam a esfericidade da Terra e dos demais astros, bem como o movimento de rotação do planeta, explicando assim o dia e a noite. Afirmavam também a revolução dos corpos celestes em torno de um foco central, que não se deve confundir com o Sol.
A matemática, como argumento dedutivo-demonstrativo, começa com Pitágoras e está ligada à doutrina espiritualista preconizada por esse filósofo.
No que diz respeito à moral, dominam também no pitagorismo o conceito de harmonia, um dos princípios essenciais dessa filosofia, e as práticas ascéticas e de abstinência. "Corpo e alma devem empenhar-se na tarefa de conseguir a harmonia interior, condição indispensável para chegar à contemplação da ordem do Cosmo e à semelhança com a divindade (Inteligência Universal). O corpo se abstenha da carne e das favas. A alma se exercite na ciência ('mathémata' = ensinamentos)."
Dizem os especialistas que o espiritualismo difundido por Pitágoras e suas descobertas no campo da matemática exerceram influência incomensurável e que esses dois campos não se achavam, na Antiguidade, tão separados como pode parecer ao espírito moderno.
Diferentemente do que ensinavam Tales, Anaximandro e Anaxímenes (assunto do artigo anterior), Pitágoras defendia que o princípio essencial de que são constituídas todas as coisas é o número, ou seja, as relações matemáticas. Assim, para os pitagóricos a matemática apresentava-se como instrumento de compreensão do real. Em última análise, tudo é número.
De acordo com o orfismo, religião de mistérios, a alma aspira a retornar à sua pátria celeste, às estrelas. No entanto, para se libertar do ciclo de reencarnações, tinha de submeter-se a certas práticas e rituais, além de necessitar da ajuda de Dioniso, deus libertador.
Pitágoras, porém, realizou fundamental modificação no orfismo, transformando o sentido da "via de salvação": no lugar de Dioniso, colocou a matemática. Ou seja, transformou o processo de libertação da alma, que proporciona seu retorno à divindade, num esforço subjetivo, puramente racional e humano.
A purificação, resultaria, pois, segundo o pitagorismo, do conhecimento, fruto do trabalho intelectual que descobre a estrutura numérica das coisas e torna, assim, a alma semelhante ao Cosmo, em harmonia, proporção e beleza.
(Publicado originalmente no jornal A Razão, de janeiro de 2009, www.arazao.com.br)
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