Pitágoras: tudo é número (2)
José Alves Martins
Uma das realizações do matemático foi conferir caráter filosófico à doutrina do orfismo
Graças ao rápido avanço do conhecimento científico nos últimos tempos, o mundo de hoje está familiarizado com a ideia de que a matemática tem papel indispensável em nossa compreensão do Universo. Essa ideia, no entanto, como vimos, foi lançada no longínquo século VI antes de Cristo por Pitágoras, o mais famoso, talvez, dos filósofos pré-socráticos.
Gênio de múltiplos talentos, entre os quais o extraordinário dom para a matemática, ele dedicou-se com seus discípulos a essa ciência, fazendo-a progredir.
O leitor certamente tomou conhecimento, na escola, do teorema de Pitágoras, da tábua de
Pitágoras etc. Deve-se a ele também a introdução da ideia do quadrado e do cubo de um número, aplicando à aritmética conceitos da geometria, para ficar só nesses exemplos.
Antes e depois desse pensador, outros grandes filósofos foram também grandes matemáticos,
mas coube a ele a feliz e frutífera iniciativa de fazer a matemática relacionar-se com a filosofia. A partir daí, ela passou a se desenvolver em cooperação mútua com a filosofia e as ciências.
Diz a tradição ter sido Pitágoras o inventor do termo "filosofia", formado das palavras
gregas "philos" (amigo) e "sophia" (saber, conhecimento), querendo ele, assim, definir o filósofo
como amigo ou amante da sabedoria. O termo passou a significar também, no período pré-socrático,
o estudo teórico da realidade ou o amor e conhecimento do "logos" (razão), que tudo rege e
unifica. Afirma-se também que foi Pitágoras o primeiro a aplicar a palavra "cosmos"
(ordem, em grego) ao Universo.
No que tange à sua atividade reformadora, outra importante realização desse mestre consistiu em
conferir caráter racional-filosófico à doutrina do orfismo, que até então não se diferenciava
das religiões asiáticas de mistérios.
Além da parte espiritualista ou metafísica, o pitagorismo compreendia mais duas: a teoria
cosmológica (que trata da estrutura do Universo) e a teoria matemática.
No terreno da metafísica, Pitágoras mostrou ser possível compreender, utilizando apenas o
instrumento da razão, que a essência do Cosmo é constituída de relações numéricas, tendo
sido o "primeiríssimo" a proclamar essa verdade científica.
Muitos séculos depois, Galileu Galilei (1564-1642) também afirmaria que a natureza está
escrita em números e que, por isso, sua verdadeira compreensão só seria possível quando se
conseguisse expressá-la em linguagem matemática. A física moderna, dizem os especialistas,
nasceu dessa concepção.
A ciência contemporânea viria a confirmar, enfim, a teoria do "tudo é número", ao comprovar
que toda a vastidão cósmica, desde as imensas e inumeráveis galáxias às ínfimas partículas
do átomo, compõe-se, de fato, de estruturas que se expressam em termos matemáticos.
Essa realidade surpreendente levou grandes cientistas, como Einstein, a acreditar numa
Inteligência por trás do Universo, a qual, ressalvam eles, não deve ser entendida, necessariamente,
como a figura convencional do deus judeu-cristão. (O iniciado em espiritualismo entende que se
trata da Inteligência Universal, de que somos partículas em processo evolutivo, à qual já se
referiam, num passado remotíssimo, doutrinas do Egito e da Índia, bem como, em outros termos,
a escola de Mileto e o próprio pitagorismo.)
Os historiadores, em geral, consideram Platão (428-347 a.C.) como o pensador que maior influência
exerceu sobre o Ocidente. Tendo em vista, porém, que a filosofia platônica recebeu substancial
contribuição da doutrina pitagórica, o filósofo e matemático britânico Bertrand Russell (1872-1970)
acreditava que tal influência atribuída a Platão caberia, na verdade, a Pitágoras. "Digo-o porque",
argumenta ele, "muito daquilo que nos parece platonismo é, quando analisado, essencialmente pitagorismo".
(Publicado originalmente no jornal A Razão, de fevereiro de 2009, www.arazao.com.br)
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