O arco-íris de Xenófanes
José Alves Martins
Nos poemas satíricos, a crítica à concepção religiosa dos deuses antropomórficos
O uso do princípio da racionalidade como critério de abordagem do real, diz um historiador, chega a uma posição extrema com Xenófanes, Zenão e Parmênides, os três grandes nomes da escola de Eléia, cidade da Magna Grécia.
Xenófanes (570-475 a.C) se destaca como primeiro filósofo a criticar de maneira sistemática e radical o antropomorfismo, que consiste em atribuir aos deuses a forma física e as características psicológicas do ser humano.
Natural da Jônia, Xenófanes, poeta-filósofo, nasceu na cidade de Cólofon, uma das presumíveis pátrias de Homero. Aos 25 anos de idade, tendo sua terra natal caído nas mãos dos persas, Xenófanes emigrou para Eléia e outras cidades da Magna Grécia (sul da Itália e Sicília), levando para lá, como já o fizera Pitágoras, os frutos do trabalho intelectual da escola de Mileto.
Xenófanes, apesar de ser considerado um dos representantes da escola de Eléia, não se radicaria nessa cidade, nem, aliás, em lugar algum. Com efeito, retomando a tradição dos bardos antigos, levou uma vida errante, cantando suas composições poéticas, em que satiriza os deuses e narra fatos sobre a invasão dos persas e sobre sua vida pessoal. Ele próprio nos diz ter-se dedicado a essa vida de aedo andarilho até a idade de 92 anos.
Quase nenhum relacionamento pessoal, portanto, deve ter existido entre Xenófanes e os demais membros da escola de Eléia – Parmênides (540-450 a.C) e seu discípulo Zenão (século V a.C). Por isso é considerado pensador independente, sem deixar de ter, contudo, algumas afinidades, muito genéricas embora, com o pensamento dessa escola.
Para a história da filosofia e do racionalismo, a parte mais importante da obra de Xenófanes são os poemas satíricos, pois é nessas composições que ele critica, em nome das novas ideias filosóficas, a concepção que a religião pública e o homem grego tinham dos deuses.
O racionalismo radical de Xenófanes identifica e alveja o erro de fundo – o antropomorfismo – do qual se originam todos os absurdos ligados a tal concepção. Veja-se, a propósito, este exemplo clássico do irreverente criticismo de nosso filósofo contra os deuses criados à imagem e semelhança do homem:
"Se os animais tivessem mãos e pudessem fazer imagens de deuses, certamente os fariam em forma de animal, assim como os etíopes, que são negros e têm nariz achatado, representam seus deuses negros e com nariz achatado, e os trácios, que têm olhos azuis e cabelos ruivos, representam seus deuses com tais características. Mas – o que é ainda mais grave – os homens tendem também a atribuir aos deuses tudo aquilo que eles mesmos fazem, não só o bem, mas também o mal, e isso é inteiramente absurdo."
Além de contestar radicalmente os deuses tradicionais, Xenófanes se empenha em negar qualquer sentido mítico ou místico aos fenômenos naturais, que, como sabemos, eram atribuídos aos deuses. Assim, por exemplo, a deusa Íris (o arco-íris) é desmitificada e identificada racionalmente com "uma nuvem purpúrea, violácea, verde de se ver".
Aos deuses de dimensão humana da mentalidade mítica, Xenófanes contrapõe um Deus impessoal, de dimensão cosmológica. O seu Deus é o Deus-Cosmo, conceito que se enquadra na tradição panteísta das doutrinas espiritualistas e filosofias da Antiguidade.
Assim, mostrando sua forte carga inovadora, o recém-inaugurado pensamento racional e científico desmonta crenças seculares profundamente enraizadas no modo de pensar e de sentir do povo grego, negando-lhes qualquer validade, e revoluciona a concepção a respeito de Deus que fora própria do homem antigo. Como diz um estudioso da filosofia, "depois das críticas de Xenófanes, a cultura ocidental não poderá nunca mais conceber o divino (Força Universal) segundo formas e medidas humanas".
(Publicado originalmente no jornal A Razão, de março de 2009, www.arazao.com.br)
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