Aquiles e a tartaruga
José Alves Martins
O paradoxo de Aquiles e a tartaruga tem intrigado cientistas e filósofos desde a Antiguidade
Zenão de Eléia, assim chamado para não ser confundido com o fundador do estoicismo
(Zenão de Cício, 335-263 antes de Cristo), foi o mais ilustre discípulo de Parmênides e
teria vivido, aproximadamente, entre os anos 490 e 430 antes de Cristo.
Apontado, com razão, por Aristóteles como o criador da dialética, notabilizou-se por seu
brilhantismo na elaboração de paradoxos, termo que, na acepção original, significa "contrário
à opinião". Seus argumentos desempenharam importante papel na lógica e na matemática e levaram
a uma reflexão mais aprofundada sobre o espaço e o tempo.
Alguns de seus paradoxos ficaram célebres na história do pensamento ocidental, principalmente o
de Aquiles e a tartaruga, que tem intrigado cientistas e filósofos desde a Antiguidade até os
nossos dias.
Por volta dos 40 anos, Zenão teria acompanhado seu mestre Parmênides numa viagem a Atenas,
tendo então conhecido Sócrates. Conta-se também que, quando sua pátria, a Cidade-Estado de Eléia,
foi submetida aos desmandos de um tirano, o Zenão político empreendeu libertá-la, mas acabou de
maneira trágica, enfrentando corajosamente terríveis suplícios.
No entanto, o escopo principal de sua vida foi, sem dúvida, defen der a doutrina de seu amado mestre
contra as críticas e ataques de seus adversários. Suas argumentações pressupunham a teoria de Parmênides
sobre o Ser-Uno e opunham à evidência sensível uma série de raciocínios destinados a
refutá-la.
Com efeito, a crítica ao senso comum feita por Parmênides é levada ao extremo por seu discípulo. E é
exatamente contra essa opinião comum que Zenão formula seus paradoxos, com os quais o inventor da
dialética reduz ao absurdo as teses do movimento e da multiplicidade das coisas, que, em sua opinião,
não sendo racionais, não poderiam ser reais.
Segundo o mais famoso desses paradoxos, o veloz Aquiles jamais alcançaria uma tartaruga se a ela fosse
dada uma vantagem inicial. Isso porque, antes de chegar ao ponto de onde a tartaruga partiu, Aquiles
deveria percorrer a distância inicial que os separa, o que jamais conseguiria, pois, sendo o espaço
suscetível de divisão ao infinito, sempre existirá um número infinito de pontos separando as posições
sucessivamente alcançadas por Aquiles e pela tartaruga. Resumindo: um espaço não pode ser percorrido sem
que todas as suas partes o sejam; e isso é impossível, porque tais partes são em número infinito.
Ninguém duvida do fato de que Aquiles alcançaria a tartaruga, mas isso não representava para Zenão uma prova
da falsidade do paradoxo, porque tal fato, sendo fenomênico, não é real, é virtual.
O argumento convenceu Platão, que, na elaboração de seu sistema filosófico, considerou que o movimento não
faria parte da realidade do mundo inteligível, ou mundo das Idéias, concebido por ele, ficando confinado ao
mundo sensível.
Quanto aos filósofos modernos, sabe-se que Descartes, Leibniz e Stuart Mill, entre outros, tentaram refutar
o intrigante paradoxo, não constando que o tenham conseguido, e outro pensador, o francês Henri Bergson, tomou-o
para ponto de partida de sua teoria da duração completa.
Gilbert Ryle, um dos notáveis filósofos britânicos do século XX, afirmou sobre a parábola de Aquiles e a
tartaruga: "De vários modos, ela merece ser considerada o paradigma do enigma filosófico. Talvez um dia esse
enigma seja resolvido, tal como alguém recentemente resolveu o último teorema de Fermat."
(Publicado originalmente no jornal A Razão, de maio de 2009, www.arazao.com.br)
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