Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

Sobre Melisso, e a matéria escura

José Alves Martins

O filósofo concebe o Uno-Infinito incorpóreo, material, mas desprovido de forma.

Melisso foi uma mistura inusitada de marujo experiente, político hábil e filósofo. Esse pensador e homem de ação, tendo recebido de seus concidadãos a nomeação de estratego (general superior, ou generalíssimo), realizou a façanha de derrotar, em 441 antes de Cristo, a frota da poderosa Atenas, então governada pelo grande Péricles, o maior estadista que a Grécia jamais conhecera.

Último representante da escola de Eléia, Melisso viveu no século V antes de Cristo e, diferentemente de Zenão e Parmênides, não era natural da Magna Grécia (sul da Itália). Nasceu em Samos (mesma cidade de Pitágoras), na Jônia, região no outro extremo do mundo grego.

Assim, a filosofia, que, por motivos políticos ou por causa da invasão da Jônia pelos persas, se refugiara na Magna Grécia, agora, com Melisso, marca presença novamente em sua terra de origem.

Com ele, a filosofia volta também a se expressar em prosa, utilizada pela primeira vez na História por Anaximandro, da escola de Mileto. Escrita em linguagem clara e com rigor dedutivo, a obra de Melisso, intitulada Sobre a Natureza ou sobre o Ser, sistematiza a doutrina de Parmênides, o qual, à semelhança de Xenófanes, expusera sua filosofia em versos, no poema também intitulado Sobre a Natureza.

A escola de Eléia constituiu, sem dúvida, um dos momentos importantes do racionalismo grego: nunca antes se observara com tanta nitidez uma doutrina preocupada em passar pelo exame consciencioso e rigoroso das posições contrárias. Sua dialética, influenciada já pelo progresso da democracia grega, anuncia o verdadeiro espírito filosófico e científico, que, caracterizado pela abertura de espírito e pelos confrontos de ideias, quer submeter seu trabalho de livre e clara demonstração à crítica e ao exame de todos.

Corrigindo em alguns pontos a filosofia de Parmênides, seu mestre, afirma Melisso, em primeiro lugar, que o Ser não pode ser finito, como dizia Parmênides; ele tem que ser infinito, pois não tem limites temporais nem espaciais. Se fosse finito, deveria limitar-se com um vazio e, portanto, com um não-ser, o que é impossível. Sendo infinito, o Ser é também necessariamente uno: "com efeito, se fossem dois, não poderiam ser infinitos, pois um deveria ter seu limite no outro".

Além disso, Melisso concebe esse Uno-Infinito como incorpóreo, não, porém, no sentido de que é imaterial e sim no sentido de que é privado de quaisquer figuras definidoras dos corpos, não podendo, portanto, ter a figura da esfera, como pretendia Parmênides.

Essa concepção de Melisso a respeito do Ser inspira-se certamente em Anaximandro, que dá o nome "ápeiron" a essa realidade infinita, ilimitada, invisível e indeterminada, essência ou princípio fundamental de todas as coisas ou formas do Universo; a partir desse elemento primordial, afirma Anaximandro, são gerados todos os seres, para o qual estes retornam após a sua dissolução.

Trata-se, em outros termos, da matéria fluídica, ou quintessenciada, animada pela Força Universal, una, integral, total, a qual, em sua forma original, indivisível, fundamental, imponderável, penetra todos os corpos, estendendo-se pelo espaço infinito, universal, de que nos fala o capítulo "Força e Matéria" do livro Racionalismo Cristão.

Essa matéria fluídica viria a ser, como sugere o cientista Valdir Aguilera, aquilo que a ciência contemporânea chama de "matéria escura", ou seja, invisível (não, porém, para os médios videntes), cuja realidade os físicos modernos vêm tentando provar cientificamente.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de junho de 2009, www.arazao.com.br)


 

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