Empédocles e as quatro raízes
José Alves Martins
Terra, água, ar e fogo, imutáveis e indestrutíveis
Parmênides sustentava que o ser deve ser único, imóvel, imutável, eterno e indivisível. Fica assim eliminado tudo o que seria variável e contraditório. Para Heráclito, no entanto, o mundo explica-se exatamente por causa das mudanças e contradições. Desse devenir (transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constroem e se dissolvem noutras coisas) é que resulta a unidade do mundo.
Essa divergência filosófica conduziu o racionalismo grego a um impasse. Por um lado, o raciocínio lógico nos diz que é perfeitamente admissível a inexistência do movimento e da pluralidade das coisas. Por outro, a experiência cotidiana nos leva a admiti-los como fenômenos reais e não como simples ilusões dos sentidos.
Sem abandonar a precisão da lógica nem contradizer o que os sentidos testemunham, Empédocles, Anaxágoras, Leucipo e Demócrito buscaram conciliar a ideia do ser único e imóvel com a de pluralidade e movimento.
O primeiro a procurar resolver esse problema foi Empédocles. A solução, segundo ele, é preservar a ideia de que o ser é eterno e indivisível, mas não a de que é único e imóvel, discordando nesse ponto de Parmênides e concordando com Heráclito.
Empédocles escreveu uma obra em versos intitulada Sobre a Natureza. Só que, para ele, a "physis" se compõe não a partir de um único elemento primordial, como defendem escolas de pensamento anteriores, mas a partir da associação de quatro elementos primordiais: terra, água, ar e fogo, que ele chamou de raízes de todas as coisas. Imutáveis e indestrutíveis, elas estão presentes em tudo, combinadas de maneira diferenciada, explicando-se assim a multiplicidade existente no Universo. Tudo, portanto, é resultado dessa associação. Para que isso ocorra, porém, faz-se necessária a ação de duas forças opostas, "amizade" e "discórdia", a primeira agindo no sentido de aproximar e misturar essas raízes, e a segunda, em sentido contrário. Essas duas forças cósmicas submetem o Universo a ciclos periódicos de máxima unidade e de extrema multiplicidade.
A outra obra de Empédocles intitula-se Purificações. Nesse poema, expõe em sugestivos versos as normas de vida capazes de purificar a alma e libertá-la do ciclo das reencarnações, para que possa então retornar ao mundo dos deuses, além de outras concepções do orfismo pitagórico, de caráter racional e filosófico.
Reza a tradição que Empédocles viajou pela Magna Grécia, Peloponeso e talvez Atenas pregando esses princípios órfico-pitagóricos, apresentando-se como seu profeta e mensageiro.
Por não entenderem que o espiritualismo autêntico é racional e científico, os historiadores da filosofia costumam estranhar que Empédocles, um filósofo da physis ou físico (como foram denominados os primeiros pensadores da Grécia) e, portanto, um dos grandes representantes do racionalismo grego, pudesse ser também um propagador de ensinos espiritualistas.
Falar desse filósofo democrata e de orfismo racional e filosófico é lembrar o papel importante da democracia e da filosofia gregas na secularização, ou dessacralização, do poder político (negação da ideia de governo divino dos povos, por meio do rei), do saber filosófico, científico e espiritualista. Esse movimento histórico de secularização tomara corpo, marcadamente, a partir do século VI antes de Cristo, sendo resultado natural das exigências de racionalidade cada vez mais presentes no mundo grego desde então.
Empédocles nasceu por volta de 484/481 antes de Cristo, em Agrigento, na Sicília, que fazia parte da Magna Grécia (sul da Itália), e morreu em torno de 424/421 a.C. Era, segundo estudiosos, de personalidade fortíssima e, como ocorreu com outros grandes homens do passado, alguns relatos de sua vida, como os que serão citados em seguida, pertencem, ao que parece, ao terreno das lendas.
Esse filósofo, médico e líder político que lutou pela instituição da democracia em sua cidade natal possuiria também, de acordo com a crendice popular, poderes milagrosos e, conforme a tradição, teria posto fim à vida atirando-se na cratera do vulcão Etna - "o que", comenta um historiador da filosofia, "deve ter sido a morte mais melodramática, para não dizer operística, de qualquer filósofo famoso."
Outra versão, porém, nega esse fim trágico e afirma que, em vez disso, o corpo de Empédocles teria ascendido aos céus. E havia também os que diziam ter ele ressuscitado uma mulher.
Esses mesmos milagres creditados a Empédocles seriam, posteriormente, atribuídos também ao Cristo mítico dos evangelhos criados pela Igreja primitiva, quase sempre muito pouco original, conforme já se viu, nas concepções mitológicas com as quais envolveu, desfigurou e escondeu, talvez para sempre, a verdade histórica sobre Jesus.
(Publicado originalmente no jornal A Razão, de dezembro de 2009, www.arazao.com.br)
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