A razão descobre o átomo
José Alves Martins
O atomismo grego é o precursor do materialismo filosófico na história do Ocidente.
O atomismo grego é fruto da análise racional. Nasceu no século V antes de Cristo, elaborado por Leucipo e Demócrito. Com essa doutrina, inaugura-se um tipo de pensar que radicaliza as duas tendências do pensamento dos filósofos da Jônia: a especulação sobre o mundo físico e a insistência no critério racional de interpretação dessa realidade. Consequentemente, o processo de crítica à mitologia chega ao máximo.
Essa nova maneira de pensar o mundo tem importância fundamental para a filosofia e a ciência. Segundo os atomistas, deve-se encontrar explicações para os fenômenos naturais na própria natureza, sem necessidade de atribuí-los a causas sobrenaturais ou aos caprichos dos deuses; ela segue leis racionais, que o homem pode descobrir.
Esse racionalismo radical, observa um historiador do pensamento grego, reorganiza todos os elementos do cosmo, na perspectiva da razão crítica, a qual torna inviável outro fundamento, outro princípio e outra fonte de significados que não sejam as próprias razões da razão. Trata-se, portanto, de um enfoque totalmente oposto ao da tradição mítica, na qual os deuses é que eram o fundamento, o princípio, a fonte de significados, a transcendência sacralizadora.
Leucipo e Demócrito foram levados ao atomismo pelo desejo de encontrar um meio termo entre a doutrina do ser uno e imutável de Parmênides e a do pluralismo, defendida por Heráclito, problema a cuja solução também se dedicaram Empédocles e Anaxágoras.
Assim, Leucipo e Demócrito concluíram que tudo no Universo se compunha de átomos, partículas da matéria tão minúsculas que seriam invisíveis e fisicamente (mas não geometricamente) indivisíveis ('átomo', em grego significa 'não divisível', 'que não pode ser cortado'); que entre eles existe um espaço vazio; que são indestrutíveis e eternos, sempre estiveram e sempre estarão em movimento; que, unindo-se e separando-se no espaço através de forças mecânicas, determinam o nascimento e a desagregação de todos os seres; que há um número infinito de átomos e, mesmo, de espécies de átomos; e que as diferenças dizem respeito à forma e ao tamanho. Para Leucipo, o vazio era o não-ser, ao passo que os átomos formavam o ser. A essa conclusão, afirmou ele, só era possível chegar pelo uso da razão, responsável por conduzir o homem a certezas.
Os fundadores do atomismo acreditavam que tudo acontece de acordo com as leis naturais. Negavam explicitamente que alguma coisa possa ocorrer por acaso.
Essa teoria, diz o filósofo e matemático britânico Bertrand Russell, aproxima-se mais da ciência moderna do que qualquer outra da Antiguidade. A experiência demonstrou, afirma ainda, que, em se tratando do progresso da ciência, a pergunta mecanicista conduz ao conhecimento científico, enquanto a de natureza teológica, não. "Os atomistas fizeram a pergunta mecanicista e deram uma resposta mecanicista. No entanto, seus sucessores, até a Renascença, interessaram-se mais pela questão teológica, conduzindo assim a ciência a um beco sem saída."
Os atomistas formularam sua teoria guiados mais pela razão do que pelo método experimental, mas ela não deixa de ter fundamento sólido, bases lógicas e matemáticas, como reconhecem os especialistas em nossos dias.
Lucrécio, grande poeta latino (95-52 antes de Cristo), expôs as ideias de Demócrito no poema De Rerum Natura (Sobre a Natureza das Coisas), redescoberto e bastante divulgado no Renascimento. Essas ideias, porém, muito avançadas para a época, só foram retomadas no início do século XIX, pelo inglês John Dalton, que, estudando o conceito originariamente filosófico de átomo, conseguiu prová-lo cientificamente, baseado em inúmeras experiências, tendo em vista explicar os fatos da química.
Sobre a vida de Leucipo (século V antes de Cristo) quase nada sabem os estudiosos. Demócrito, seu discípulo, teria recolhido o ensinamento do mestre, que seria natural de Mileto (Jônia). Quanto a Demócrito (460-370 antes de Cristo), tem-se como certo que era de Abdera, situada na parte da Trácia colonizada pelos gregos, na costa do mar Egeu.
Demócrito foi filósofo, historiador e um dos responsáveis por mudanças fundamentais na matemática do século V antes de Cristo, tendo sido também o primeiro matemático da história a estudar a validade dos cálculos infinitesimais na determinação de volumes.
Rico, despendeu sua fortuna em viagens através do mundo grego, Egito, Mesopotâmia, Índia e talvez outras regiões da Ásia, em busca de conhecimentos, conquistando assim vasto saber. Foi contemporâneo de Sócrates, dos sofistas e de Anaxágoras, que chegou a conhecer. Diz ele que era jovem quando esse filósofo já era velho. Sucessor de Leucipo na direção da escola de Abdera e incansável autor de textos científicos, Demócrito é considerado o principal representante da teoria atomista, representada também por Epicuro (341-270 antes de Cristo) e Lucrécio. É tido ainda como um dos maiores expoentes do quadro de homens sábios da antiguidade grega, rivalizando com Platão, ao qual superou, segundo os historiadores da filosofia, em conhecimentos sobre a natureza.
O atomismo grego é também o precursor do materialismo filosófico na história do Ocidente. Com efeito, para Demócrito, a alma se compunha de átomos, tendo, portanto, o destino do corpo: perecer; e o pensamento era um processo físico. Não havia finalidade no Universo; havia apenas átomos governados por leis mecânicas. Como todo materialista, não acreditava também na religião popular e argumentava contra o Nous de Anaxágoras (Força, Espírito, Razão Universal). No que concerne à ética, considerava a alegria o objetivo da vida e a moderação e a cultura a melhor maneira de consegui-la.
Não obstante seu materialismo radical, os atomistas pareciam acreditar na existência da matéria sutil. Ou seja, a matéria em seu estado original ou primário, indivisível, imponderável, quintessenciada ou fluídica, que se estende pelo espaço infinito e penetra todos os corpos, como é definida pelo espiritualismo racional e científico codificado por Luiz de Mattos no começo do século XX e conhecido hoje como Racionalismo Cristão.
(Publicado originalmente no jornal A Razão, de março de 2010, http://arazao.com.br)
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