Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 50

José Alves Martins

Sócrates, médium auditivo, e seu 'demônio'

Na mitologia do cristianismo, o demônio (plágio do daimónion da tradição religiosa da Grécia antiga) é definido como "espírito do mal". Na antiguidade grega, porém, o plural de daimónion designava os espíritos em geral, não significando exclusivamente entidades espirituais malfazejas.

Dentre os daimónions, destacavam-se os Espíritos Superiores e os que, não sendo ainda tão evoluídos quanto os Espíritos Superiores, serviam de intermediários entre estes e os humanos.

Sócrates, médium auditivo, ouvia desde criança a voz conselheira de uma entidade espiritual, que ele chamava de "meu daimónion". Segundo Platão e Xenofonte, a presença constante de um daimónion na vida do filósofo foi professada por ele próprio. A atuação dessa entidade espiritual, inteiramente benéfica, evitava que determinadas situações ocorressem, como é o caso, relatado por Platão, da manifestação do sinal quando Sócrates, certa vez, ia atravessar um rio.

(Joana d'Arc - 1412-1431, de nossa era - foi outra importante figura histórica possuidora de mediunidade auditiva. A jovem Joana, heroína francesa, denominada "A Donzela de Orleans", obedecendo a vozes amigas e conselheiras, que chamava de "minhas vozes", convenceu o hesitante Carlos VII a lhe confiar as forças militares de que ele ainda dispunha. Foi sob o comando de Joana que os franceses conseguiram importante vitória sobre o exército invasor inglês, que então sitiava a cidade de Orleans. Vitória essa seguida de uma série decisiva de outras, culminadas com a coroação de Carlos VII como legítimo rei da França. O triste fim de Joana d'Arc, porém, é de todos conhecido...)

Escola pública Obedecendo também à sua voz conselheira – seu daimónion –, Sócrates assumiu a incumbência de educador de jovens atenienses encontradiços em praças, ruas ou no pórtico do templo, sem nada cobrar por esse serviço, apesar da pobreza em que vivia. As reuniões do mestre com a moçada, nas quais se praticava o método socrático de filosofar, aconteciam sempre nesses locais públicos, sendo, portanto, franqueadas a quem às quisesse assistir.

Foi numa dessas reuniões que um belo rapaz, da classe aristocrática, de elevada estatura e porte atlético, chamado Aristocles, mas conhecido pelo apelido de "Platão" ("ombros largos"), conheceu Sócrates. Foi o início de uma grande e histórica amizade. O jovem, a quem o mestre marcou profundamente, e para sempre, seria seu mais ilustre e genial discípulo e o continuador de sua linha de pensamento.

Com Sócrates, Platão e seu discípulo, Aristóteles, a filosofia, ou seja, o racionalismo grego, tomaria novos rumos e atingiria seu ápice, e viria a ser um dos importantes legados da Grécia à cultura ocidental.

Variegado bando de moços De acordo com um historiador da filosofia, "era bem variegado o bando de moços" que, de boa mente, submetiam-se à disciplina dialógica de Sócrates, ajudando-o a dar novas perspectivas à filosofia, que, criada na Jônia, colônia grega, no século VI a.C., só chegara à cosmopolita Atenas no século V a.C. Entre esses jovens, diz também o estudioso, havia ricos e nobres, como Platão e Alcebíades, que gostavam das ácidas críticas de Sócrates à democracia ateniense; alguns eram socialistas, como Antístenes, para os quais era digna de respeito e mesmo de veneração a despreocupada pobreza do mestre, que, com abnegação e desapego aos bens materiais, dedicava-se inteiramente à missão em que fora investido por seu daimónion; no meio dessa juventude fã de Sócrates, não faltavam também anarquistas, como Aristipo, que sonhavam com um mundo sem senhores e sem escravos, em que todo homem pudesse ser despreocupado e livre como esse amado mestre feio e perguntador. "Os problemas que agitam a sociedade atual e fornecem matéria para infindos debates entre os moços de hoje", diz ainda o historiador, "já interessavam aquele pequeno grupo de pensadores e conversadores. Tal qual Sócrates, sentiam que a vida sem tais debates seria indigna de um homem. Cada escola de ideias sociais da Idade Contemporânea teve lá seu representante e, talvez, sua origem."

Sócrates e Jesus Veja-se esta importante curiosidade histórica: os pensadores cristãos, lembra nossa filósofa Marilena Chauí, nunca se cansaram de comparar Sócrates e Jesus. Ambos foram condenados por seus ensinamentos; compareceram aos tribunais e não se defenderam; nada deixaram escrito; criaram uma posteridade sem limites; e tudo quanto sabemos dos dois depende de fontes indiretas, escritas depois de estarem mortos.

Precursor Observe-se, ainda, esta outra importante curiosidade histórica: assim como Lao-Tsé foi o grande precursor de Confúcio, Sócrates o foi de Platão, e João Batista, de Jesus. Aos que acreditam na realidade das afinidades espirituais e no conceito reencarnacionista, a História oferece aí um claro exemplo de reencontro de dois grandes espíritos em sucessivas reencarnações neste planeta. Isso com certeza não teria acontecido sem um compromisso pré-firmado entre ambos no Espaço Superior e sem um planejamento também lá pré-traçado, visando o cumprimento de importantes missões especiais na Terra.

Algo semelhante viria a acontecer também com outros dois grandes espíritos – Luiz de Mattos e Luiz Thomaz –, preparados no Espaço Superior por Antonio Vieira para a missão de implantar o Espiritualismo Racional e Científico neste mundo.

Alma Universal "Crime de impiedade" (ateísmo) foi uma das acusações que motivaram a sentença de morte imposta a Sócrates. Ou seja, acusavam-no de defender não a crença politeísta de sua cidade, Atenas, e sim o que chamava de "Alma (ou Inteligência) Universal". "Assim como o corpo humano", ensinava o mestre, "recebe seus elementos do grande corpo do Universo, assim também nossa alma participa da Alma Universal."

De História do racionalismo para "Artigos"

Copyright©2008 valdiraguilera.net. All Rights Reserved