Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

Como tudo começou

Valdir Aguilera

Os conceitos da Física Moderna provocaram mudanças radicais na Física Clássica e levaram os cientistas a ver e pensar o universo de uma forma nunca antes suspeitada.

Introdução


Em uma exposição sucinta, veremos que as idéias e conceitos da Física Moderna foram desenvolvidas num espaço de tempo de cerca de três décadas. Vamos nos restringir à história da Mecânica Quântica, embora a Teoria da Relatividade de Einstein seja outro marco no surgimento da Física Moderna.

Certamente você já sentiu o calorzinho que emana de uma panela quente ou de uma lâmpada incandescente acesa. O que nos causa essa sensação de calor são ondas eletromagnéticas que irradiam dos corpos, de todos os corpos, o tempo todo. É precisamente nos esforços para descrever essas prosaicas emanações que vamos encontrar a semente que germinou e deu origem à Mecânica Quântica.

Para se ter uma idéia de um dos problemas que os cientistas do final do século XIX enfrentavam, sem conseguir resolver, examinemos a figura 1. Quem não está familiarizado com gráficos não deve desanimar. Pode ignorar esta parte de nosso texto e prosseguir sem prejuízo para o entendimento do resto do artigo.


Figura 1

No eixo dos x mostram-se os comprimentos de onda das radiações eletromagnéticas, medidos em nanômetros, isto é, em milionésimos de milímetro. No eixo dos y vemos as intensidades das radiações em unidades arbitrárias.

As curvas coloridas representam os resultados observados experimentalmente com um corpo negro. (Em física, corpo negro é a idealização de um corpo que absorve toda a luz que incide nele. Como absorve toda a luz, ele não reflete nenhuma, daí ser 'negro'). Em laboratório é um pequeno "forno" completamente fechado, mas com um orifício. Esquentando-se o forno, o calor, isto é, as radiações eletromagnéticas escapam pelo orifício e são captadas e analisadas.

A curva vermelha é obtida quando o corpo irradia à temperatura de 3.000 kelvins; a verde, a 4.000 kelvins; e, a azul, a 5.000 kelvins. (Para se ter uma idéia quantitativa da medida kelvin para temperatura, tenha em mente que a água ferve a aproximadamente 370 kelvins). A curva preta, que desce desde o infinito, é a previsão teórica, para temperatura de 5.000 kelvins, baseada no modelo clássico da época (modelo de Rayleigh e Jeans). Ela deveria se ajustar à curva azul. Como se vê, a "explicação" era um desastre, causando muito desconforto aos físicos.

Naquela época (1900), Lord Kelvin (William Thomson) afirmou, numa reunião da Associação Britânica para o Progresso da Ciência, que "nada mais há para ser descoberto na Física. Tudo que falta é apenas fazer medidas mais e mais precisas". Que otimismo! Referindo-se ao problema da radiação do corpo negro, ele disse que se tratava apenas de uma das duas nuvenzinhas que ainda pairavam no tranqüilo céu da Física. A outra estava associada à explicação do resultado negativo da experiência de Michelson-Morley, que pretendia comprovar a existência do éter. Mais uma vez demonstrou Lord Kelvin que, como profeta, ele era uma catástrofe, pois foi dessas duas nuvenzinhas que desencadearam violentas tempestades que mudaram a Física, e os cientistas, para sempre. Uma delas conduziu ao desenvolvimento da Mecânica Quântica; a outra, à Teoria da Relatividade.

Pacotes de energia


Diante da impossibilidade de se resolver o problema mencionado na seção anterior com as teorias vigentes na época, Max Planck, em uma das reuniões da Sociedade Alemã de Física em 1900, sugeriu que a radiação de energia eletromagnética se dá na forma de pacotes discretos. Planck quantizou a energia eletromagnética. Foi necessária muita coragem (ou desespero, como ele mesmo afirmou?) para esta subversão, pois considerava-se e aceitava-se que a energia eletromagnética era transportada por ondas, e ondas são entidades contínuas. Para Planck, contudo, sua proposta era apenas uma espécie de truque matemático para resolver o problema da radiação do corpo negro. Quando abordado, Planck insistia em que sua hipótese era apenas um recurso matemático, sem maior significado físico. Somente se convenceu da realidade física de sua hipótese após os trabalhos teóricos de Einstein que, em 1905, usou a hipótese de Planck para explicar corretamente o efeito fotoelétrico (elétrons são arrancados de metais por incidência de luz), o que lhe proporcionou o prêmio Nobel de Física de 1921.

Na análise teórica do efeito fotoelétrico, Einstein introduziu o conceito de luz quantizada. Em outras palavras, a luz se propaga em pacotinhos, ou fótons, um conceito semelhante à antiga hipótese de Newton de que a luz se propagava em forma de partículas!

Mais uma evidência experimental de que a radiação eletromagnética se propaga em forma de pacotes de energia foi obtida em 1923. Naquele ano, em suas experiências com espalhamento de raios-X (que também são radiações eletromagnéticas), Arthur Compton observou que esses raios se espalham da mesma forma que esferas elásticas em colisão.

Dissiparam-se, então, quaisquer dúvidas que ainda podiam persistir. A energia eletromagnética, com certeza, se propaga em forma de pacotes.

E outras formas de energia, como a energia mecânica, também se apresentam em pacotinhos? A resposta já havia sido dada por Niels Bohr, como veremos na próxima seção.

Órbitas eletrônicas e linhas espectrais


Uma forma promissora para entender o átomo é examinar sua estrutura interna. Como não é possível dar uma espiadinha por lá, uma solução é examinar o que vem lá de dentro. Sob determinadas condições, os átomos emitem luminosidades que são chamadas "linhas espectrais". São essas linhas que nos mostram que há ácido sulfúrico na atmosfera do planeta Vênus. Não precisamos ir até lá para ficar sabendo disso.

As linhas espectrais do átomo de hidrogênio (o mais simples dos átomos) eram conhecidas experimentalmente. Além de não se saber como eram produzidas, essas linhas se agrupavam de certa forma organizada, mas incompreensível. E, se há alguma coisa de que os cientistas não gostam, essa coisa é a falta de explicação para o que observam.

Numa tentativa de colocar a casa em ordem, em 1913 Niels Bohr lançou mão da idéia de Planck da quantização de energia eletromagnética e a estendeu para a energia mecânica de elétrons no interior de átomos. Bohr reescreveu o modelo atômico de Rutherford [1] de tal forma que as órbitas eletrônicas não podiam ter quaisquer raios; estes estavam bem estabelecidos. As órbitas atômicas foram, assim, quantizadas; seus raios não podiam ser nem um pouquinho maior nem um pouquinho menor.

Com esse modelo, Bohr explicou muitos detalhes das linhas espectrais do átomo de hidrogênio e de outros átomos mais pesados. Mas, sua teoria não possibilitava calcular, por exemplo, a intensidade das várias linhas dos espectros óticos. Também não explicava por que as órbitas eletrônicas que postulava eram do jeito que eram. Era uma proposta para "ver o que acontece", dizia ele.

Foi necessário transcorrer mais uma década para que Louis de Broglie mostrasse que as órbitas de Bohr eram como eram porque deveriam acomodar um número inteiro de "ondas-piloto". O que eram essas misteriosas ondas-piloto não se sabia exatamente, mas que se especulava muito, disso tenham certeza.

Mecânica ondulatória


As idéias de de Broglie tomaram uma forma matemática mais exata com o advento da Mecânica Ondulatória (mais tarde, Mecânica Quântica), uma criação de Erwin Schroedinger em 1926. Além de explicar sem mistérios as órbitas propostas por Bohr, a Mecânica Ondulatória cobriu pontos que a teoria de Bohr não explicava, como as intensidades das linhas espectrais mencionadas na seção anterior. Também previu novos fenômenos, como a difração em um feixe de elétrons.

Vejam que coisa maluca! A luz, que deveria se propagar como ondas, propaga-se como partículas, os pacotinhos de luz de Einstein; os raios-X, que deveriam agir como ondas, mostram que se comportam como bolinhas de bilhar; e, o elétron, que deveria ser uma partícula, produz fenômenos característicos de ondas, a difração. Não é para fundir a cuca de qualquer um?

No mesmo ano em que Schroedinger publicou seu trabalho, outro físico, Werner Heisenberg, de forma independente e em periódico científico diferente, tratou os problemas quânticos com uma ferramenta matemática totalmente distinta da usada por Schroedinger. Enquanto este desenvolveu um trabalho analítico, aquele usou álgebra não comutativa. (Uma estrutura matemática em que nem sempre a ordem dos fatores não altera o produto, ou seja, x vezes y pode dar um resultado diferente de y vezes x.)

O tratamento de Heisenberg e o de Schroedinger conduziam aos mesmos resultados com respeito à estrutura atômica e linhas espectrais. Contudo, nenhuma das duas formulações, analítica ou algébrica, conseguia quantizar sistemas que se moviam a altas velocidades, próximas à da luz. Desta vez, contudo, não foi necessário esperar muito tempo para sanar esta dificuldade. Bastaram três anos.

Mecânica quântica relativista


Para descrever o movimento de elétrons em altas velocidades, em 1929 P. A. M. Dirac construiu sua famosa equação de onda relativista. Além de explicar o movimento de elétrons em altas velocidades, também foi capaz de explicar outros fenômenos como os momentos lineares e angulares (mecânicos) e os momentos magnéticos. Além disso, para resolver uma dificuldade técnica com a equação que propôs, Dirac sugeriu a existência de elétrons positivos (os anti-elétrons ou pósitrons). Os pósitrons foram detectados poucos anos mais tarde no estudo de ráios cósmicos. Além do anti-elétron, outras anti-partículas foram descobertas posteriormente.

Uma teoria é amplamente aceita quando explica fenômenos observados; ganha ainda maior respeitabilidade quando prevê fenômenos desconhecidos. A existência da anti-matéria foi mais uma previsão teórica baseada tão somente em equações matemáticas. A História da Ciência nos brinda com muitos outros exemplos.

Conclusão


A ciência progride com vagar, mas com segurança. Foram necessários cerca de trinta anos para a Mecânica Quântica surgir. Relatamos os aspectos mais interessantes dessa aventura, desde a nossa panela quente até a anti-matéria. Muitos detalhes tiveram, necessaria e compreensivelmente, de ser omitidos.

Para finalizar, devemos acrescentar que, apesar de seu inegável êxito, a Mecânica Quântica é uma teoria. Além disso, ainda não bem compreendida. Há questões, principalmente de interpretação, que ainda não foram resolvidas. Mesmo assim, não falta quem se julgue conhecedor dos mistérios que a teoria cuidadosamente não revela. Também não é raro encontrar quem abusa, principalmente do termo "quântico", para dizer um monte de tolices. Por isso, gostaríamos de fechar esta concisa exposição fazendo este alerta: "Quando ouvir ou ler algo sobre teoria quântica e suas implicações, fique com um pé atrás".

Quem quiser se aprofundar um pouco mais na parte mais técnica dos assuntos aqui tratados pode consultar as referências [2] e [3].

Bibliografia


[1] Valdir Aguilera, Conceitos de Física Moderna - 2 - A saga do átomo.

[2] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física, v. 4, LTC, Rio de Janeiro.

[3] P. A. Tipler e R. A. Llewellyn, Física Moderna, LTC, Rio de Janeiro.


 

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