Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

Fractais e auto-similaridade

Valdir Aguilera


Os fractais são objetos matemáticos que vêm estimulando nossa imaginação e conduzindo-nos a explorar terrenos que não suspeitávamos existir. Quem é que ainda não se sentiu fascinado diante da visão colorida e multiforme de um fractal? O exame cuidadoso de seus detalhes faz-nos sentir como se estivéssemos nos indescritíveis limites do infinito. Por esta razão, alguém disse que um fractal é a imaginação do infinito.

A fascinante teoria dos fractais foi criada pelo matemático polonês Benoit Mandelbrot, que também cunhou a palavra (substantivo e adjetivo) fractal (do Latim fractus, do verbo frangere, quebrar, fragmentar). Essa teoria fornece um método rigoroso e compacto para descrever objetos e formas naturais. Por esta razão, Mandelbrot a define como a geometria da natureza. Neste pequeno ensaio, não pretendemos nos demorar muito no tema fractal mas, sim, considerar uma das suas características mais belas e intrigantes: a auto-similaridade.

O que se entende por esse conceito?

A auto-similaridade de uma figura é um aspecto geométrico dela que é invariante por escala. Em outras palavras, uma forma que se repete em si mesma, de maneira semelhante – não necessariamente exatamente igual –, e independente de proporção, se diz auto-similar.

O exemplo mais conhecido usado para ilustrar o conceito de auto-similaridade é o contorno de uma borda marítima. Se olharmos para um mapa que inclua a costa marítima de uma região, podemos constatar que o contorno do litoral se apresenta com muitos recortes e reentrâncias. Se examinarmos um mapa do mesmo litoral, desenhado em maior escala, vamos descobrir outros recortes e novas reentrâncias. Mapas mais detalhados mostram que essas características geométricas teimam em continuar presentes. São, portanto, características invariantes por escala. Não importa o tamanho do mapa, recortes e reentrâncias estarão presentes no delineamento do litoral. Qualquer detalhe do litoral é semelhante ao litoral inteiro!

Exemplos mais técnicos de fractais são, entre outros, a curva de Peano, a curva de Koch, o tapete de Sierpinski e a esponja de Menger. Todos eles são objetos de aparência e propriedades insólitas, construídos por processos geométricos repetidos infinitas vezes. Neles, a auto-similaridade é gritantemente aparente. Por construção, qualquer porção desses objetos é uma reprodução do objeto inteiro. Qualquer parte deles tem as propriedades do todo.

Curva de koch (perímetro da figura colorida) e sua construção.
A figura em branco e preto mostra a construção de um dos lados do triângulo

Jonathan Swift (1667-1745), possivelmente no seu livro Viagens de Gulliver, imagina uma pulga com pulgas menores que a picam, e estas têm pulgas ainda menores que as atormentam, e assim ad infinitum. Partindo de qualquer pulga, podemos imaginar pulgas maiores numa direção e pulgas menores noutra. Assim, ter pulgas é uma propriedade invariante por escala.

Desde tempos bastante remotos, através de processos mentais extraordinários, vários pensadores já haviam intuído o aspecto de auto-similaridade de manifestações da natureza. Talvez a mais antiga referência a esse conhecimento seja a aparentemente singela afirmação o que está em cima é igual ao que está embaixo, atribuída a Hermes Trismegisto que a registrou na sua bastante citada obra O livro da esmeralda, supostamente escrita na superfície de uma pedra de esmeralda, de idade desconhecida (3000 anos?).

Mais recentemente, mas ainda na era pré-cristã, Anaxágoras de Clazomena (500-428 a.C.) afirmava que tudo está em tudo. Cada coisa preexiste nas coisas das quais a vemos nascer e que não há parcela alguma de matéria que não contenha os seres de todas as espécies possíveis. (Alguém vê aqui alguma relação com o enervante paradoxo Einstein-Podolsky-Rosen, da Física Moderna?)

Quase na mesma época, mas bastante distante da Grécia, o filósofo Confúcio (551-479 a.C.), com sua proverbial sabedoria e calma oriental, mas com energia, afirmava na China que para reinar sobre um país é necessário saber primeiramente reinar sobre a própria casa.

Podemos perguntar se Leon Tolstoi (1828-1910) não estava apoiando-se na sua certeza da auto-similaridade de manifestações naturais quando receitou: se queres descrever o universo, descreve a tua aldeia.


 

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