Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 13
Lao-Tsé e a filosofia do caminho

José Alves Martins

Objetivo do taoísmo é mostrar o caminho à Força Cósmica ou Força Vital

Na altura do século IX antes de Cristo, a China alcançara um alto grau de civilização. Em seguida, porém, sofreu um atraso de vários séculos, por causa de seu contato com os hunos. A nação mergulhou então num longo e tenebroso período de guerras civis, desorganização, anarquia e insegurança, com suas fronteiras perigosamente expostas aos ataques dos bárbaros.

Então, providencialmente, surgiram na China, no século VI antes de Cristo, alguns homens de grande valor, com inteligência, espiritualidade e força moral para reconduzir o país ao bom senso. Dentre esses homens, destacam-se as legendárias figuras de Lao-Tsé e Confúcio, os dois maiores filósofos chineses da Antiguidade.

Lao-Tsé, à semelhança de Buda e Confúcio, os outros dois grandes mestres do Extremo Oriente no século VI antes de Cristo, propôs a seus discípulos e seguidores não uma religião, e sim uma filosofia de vida. Assim sendo, alinha-se também entre os precursores do racionalismo histórico, que, significativamente (nada acontece por acaso), foram contemporâneos, pertencendo embora a nações e regiões diversas.

Com efeito, o século que viu Lao-Tsé, Buda e Confúcio, e mesmo o grande profeta hebreu Jeremias, viu também Tales de Mileto, fundador do racionalismo grego, e outros importantes pensadores pré-socráticos, como Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Xenófanes e Pitágoras, continuadores do espírito filosófico e científico na Grécia, inaugurado por Tales.

Contemporâneo de Confúcio, embora 50 anos mais velho, Lao-Tsé, fundador do taoísmo, viveu entre os anos 570 e 490 antes de Cristo, segundo uma cronologia hipotética.

As origens do taoísmo são obscuras. Primitivamente, o termo chinês tao significava caminho, palavra-chave de todas as antigas escolas filosóficas da China, incluindo o confucionismo. Mas foi somente no século VI antes de Cristo, por meio principalmente de Lao-Tsé, que essa doutrina recebeu impulso decisivo.

O principal texto do taoísmo é o Tao Te King (Livro do Caminho e da Virtude), atribuído a Lao-Tsé. O objetivo dessa filosofia é mostrar aos homens a Via, o caminho correto que leva ao Tao absoluto, princípio fundamental do universo, também denominado Força Cósmica ou Força Vital, para que possam, afinal, fundir-se espiritualmente com ele. Toda a filosofia taoísta se baseia nessa finalidade.

Tao é também a lei ou princípio de ordem que rege o Universo. Não se pode compreendê-lo senão pelo desenvolvimento da espiritualidade. O caminho para a integração a essa realidade cósmica primordial é uma existência natural, espontânea e serena. Só as almas que aprenderam o grande segredo dessa unidade reintegram-se na Força Universal e captam o sentido do cosmo. (O caráter contemplativo da doutrina de Lao-Tsé, na vida espiritual chinesa, é o principal rival do racionalismo pragmático que caracteriza o confucionismo.)

O Tao ou Força Cósmica habita e opera, como princípio vital, em toda a natureza. Em outros termos, a alma de cada coisa ou pessoa, parcela dessa Força, expressa a participação desse princípio universal em tudo.

A Força Cósmica, como ser, é impessoal, abstrata, onipresente e eterna. Ensinava ainda Lao-Tsé que ela origina o processo contraditório da existência, opondo o bem ao mal, o positivo ao negativo. Profundamente espiritualista e ética, a filosofia taoísta, pregando a simplicidade e a alegria de uma vida em contato com a natureza, estabeleceu as bases do otimismo espiritual dos chineses.

Nesta nossa viagem no tempo, através do Oriente, pudemos constatar que esse tema fundamental da doutrina espiritualista, a Força Universal, está presente em todas as tradições filosóficas da Antiguidade, e mesmo da pré-história.

Como já tivemos oportunidade de afirmar, esse princípio foi, finalmente, exposto e explanado de maneira decisiva e com clareza meridiana no começo do século XX por Luiz de Mattos, nos capítulos "Força e Matéria" e "Grande Foco", do livro Racionalismo Cristão.

No entanto, quando, no século I de nossa era, outro grande racionalista e um dos principais fundadores da civilização ocidental, senão o principal, tentou difundir e consolidar esse e outros princípios espiritualistas no Ocidente, a partir da Palestina, foi transformado, depois de sua morte, pela Igreja primitiva, no Cristo mitológico de que falamos no artigo anterior.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de abril de 2007, www.arazao.com.br)


 

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