Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 16
De príncipe a monge mendicante

José Alves Martins

Buda abandonou o palácio em que vivia e saiu em busca da verdade da vida

Alguns companheiros observaram que, nos artigos a respeito de Buda, Lao-Tsé e Confúcio, publicados em edições anteriores, nos limitamos a falar das doutrinas e idéias desses três mestres do Extremo Oriente, nada informando sobre seus dados biográficos, a não ser as datas de nascimento e morte. Vamos, pois, atendendo a esses reclamos, passar ao leitor as informações que colhemos sobre a vida dos personagens em questão, começando pelo fundador do budismo. Não é demais lembrar que estudar as idéias e reviver a biografia dos grandes espíritos que encarnaram em idades remotas é se religar aos mais elevados planos do Astral Superior, uma vez que tais espíritos já alcançaram, na hierarquia espiritual, os mais altos graus da escala evolutiva.

A maioria dos autores fixa o nascimento de Siddharta Sakya-Muni Gautama, nome original de Buda, no ano 560 antes de Cristo, em Kapilavastu, atual Rummindei, ao norte da Índia, na região do Nepal, hoje um país independente. Essa região é dominada pela cordilheira do Himalaia, e o pequeno Siddharta deve ter, muitas vezes, contemplado aquelas alterosas montanhas, "com seus eternos turbantes de neve na cabeça", imagem usada por um de seus biógrafos.

Conforme reza a tradição, quando a princesa Maya, grávida do futuro Buda, sentiu que se avizinhava o momento, saiu a pé – segundo o costume de seu clã – para o palácio real de seus pais, a fim de esperar lá o nascimento do filho. Mas as dores do parto a surpreenderam durante a viagem, e ela deu à luz a criança num tranqüilo bosque de pau cetim. (Observe-se a analogia entre essa viagem da princesa Maya, para ter o filho na cidade de seus pais, e outra narrada cinco séculos depois pelos Evangelhos cristãos, em que Maria, também grávida, vai, com José, da Galiléia até a Judéia, e seu filho nasce num estábulo, nos arredores de Belém, a cidade do rei Davi, suposto ancestral dos pais de Jesus.)

A mãe de Siddharta morreu sete dias depois do parto, e o menino foi educado por uma tia, que mais tarde se tornaria a primeira monja budista.

O pai de Siddharta, o rajá Çuddhodana, procurou criar o filho no desconhecimento do mal. Assim, o príncipe cresceu isolado no palácio, alienado da realidade, sem conhecimento do mundo exterior. Em sua existência de esplendor deslumbrante, porém irreal, era, como observa outro estudioso, um prisioneiro numa fortaleza de mármore e ouro, pela falta de contato com seu povo.

O jovem Siddharta impressionava a todos por sua inteligência e pelo magnetismo que emanava de sua bela figura (era um rapaz fisicamente bem-apanhado e favorito das jovens da corte). Aos 20 anos já estava casado com uma dessas jovens, a bela prima Yasodhara, com a qual teve um filho, que o seguiria mais tarde na via da renúncia ao mundo.

Apesar do ambiente voluptuoso que embalava sua mocidade na corte, aos 29 anos experimentou um desgosto profundo da vida e do mundo, depois de constatar que aos prazeres efêmeros se sucedem sofrimentos contínuos, pois à mocidade, à saúde e à vida se seguem inexoravelmente a velhice, a doença e a morte.

Chegara a tais conclusões depois de um passeio pelos campos, com seu cocheiro. Nessa ocasião, deparou com um homem idoso, alquebrado e vergado ao peso dos anos; mais à frente encontrou um mendigo coberto pelas chagas de repugnante enfermidade; e, continuando a excursão, deu com um cadáver apodrecendo ao sol.

Dali em diante, passou a refletir seriamente sobre esse quadro de misérias e dores inerentes à condição humana. Assim, depois de dura luta interior, decidiu abandonar a família, e a vida de prazeres e luxo, para sair em solitária peregrinação, como asceta mendicante, em busca do remédio que libertasse o ser humano dos sofrimentos da existência.

Então, certa noite, às primeiras horas da madrugada, depois de dirigir um último olhar à esposa e ao filho adormecidos, abandonou o palácio paterno e, sem olhar para trás, cavalgou à rédea solta, na companhia de seu cocheiro, alcançando a fronteira do principado ao clarear do dia. Aí, o jovem príncipe despojou-se das jóias e da espada, dispensou o cocheiro e o cavalo, trocou sua roupa pela de um camponês e seguiu sozinho a caminho das montanhas, em cujas cavernas viviam homens tidos como sábios e santos.

Dia após dia, durante alguns anos em que ali esteve, dedicou-se a ouvir as preleções daqueles eremitas, ascetas rigorosos, agora seus mestres, que, entre outras coisas, lhe diziam que a alma humana está sujeita a um penoso ciclo de muitos nascimentos e mortes neste mundo. Tal ciclo não cessa até que ela alcance o grau de perfeição e o conhecimento que lhe permitam encerrar esse processo evolutivo de nascimentos e mortes. Mas entendiam tais mestres que o melhor meio para atingir esse fim consistia na prática de um rigoroso ascetismo – a automortificação ou tortura do corpo pela fome e pela sede.

Gautama embarcou nessa canoa furada, diminuindo gradativamente sua alimentação até chegar a um ponto em que ela se reduziria a quase nada. No entanto, diz a tradição, ao perceber que estava perto da morte, mas tão longe da verdade quanto antes, abandonou as práticas aconselhadas pelos ascetas da montanha, pois compreendeu que, entregando-se a tais extremos, não descobriria a significação da vida.

Então, tendo se restabelecido com alimentos e água, sentou-se, certa noite, embaixo de uma árvore para meditar. Quando o dia amanheceu, diz ainda a tradição, tinha conseguido esclarecer o enigma do sofrimento e do destino dos homens e passou a ser Buda, palavra sânscrita que significa desperto, iluminado, esclarecido.

A partir daquela data, adotando como norma de conduta o meio termo, a medida da virtude, Buda Gautama vagueou durante quase 50 anos pelo país, acompanhado por dedicados discípulos e seguidores, pregando sua revolucionária doutrina, da qual já falamos em artigo anterior. Até que um dia, quando já alcançara a idade de 80 anos e padecendo de várias enfermidades, chegou à cidade de Kucinagara (hoje Kasia). Então, do mesmo modo como nascera, num tranqüilo bosque, à sombra de uma árvore florida, faleceu no ano 483 aC, assistido por seus mais chegados e esclarecidos discípulos, aos quais confiara a missão de continuar transmitindo o seu legado doutrinário à humanidade sofredora.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de julho de 2007, www.arazao.com.br)


 

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