Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 19
Os profetas, um fenômeno estranho na história antiga

José Alves Martins

Afirmavam ser capazes de prever o futuro por saberem interpretar o passado

Malvistos pelos sacerdotes e demais componentes da aristocracia judaica, os profetas, inflexíveis no que concernia à ética e à moral, além de racionalistas radicais, eram tidos por essa elite como subversivos. Os profetas hebreus, observa um historiador, constituíam, de fato, um fenômeno estranho na história antiga. Oriundos de todas as camadas sociais – lenhadores, camponeses, operários, mercadores e até da classe aristocrática –, esses rebeldes ousados escandalizavam os sacerdotes e desafiavam os poderosos.

"Gente maltrapilha e esquisita, andarilhos, poltrões e ignorantes; raramente tomam banho; escondem-se como animais nas montanhas, alimentando-se de mel, raízes e grama; proclamam-se os únicos intérpretes da vontade de Deus na Terra." Era assim, carregando nas tintas, que os orgulhosos sacerdotes e os cidadãos abastados descreviam para seus filhos a raça dos profetas.

Para tal elite, "esses homens grosseiros, de idéias extravagantes e com jeito extremamente desconcertante de expressá-las", não eram pessoas que pudessem ser convidadas para ir à casa de um judeu educado.

Havia, no entanto, entre seus contemporâneos e compatriotas quem os visse com outros olhos, demonstrando, assim, receptividade e simpatia à causa desses "embaixadores de Deus".

Essas pessoas mais ponderadas notavam, sobretudo, que os profetas eram amantes da paz (Jeremias é considerado o primeiro pacifista da História); que sempre tomavam o partido dos humildes, dos pobres e oprimidos contra os poderosos e opressores; que lutavam apaixonadamente pela justiça e tinham coragem extraordinária – não receavam, por exemplo, entrar no próprio palácio do rei e recriminar-lhe, face a face, os atos de tirania contra o povo.

Conta-se que um dos grandes profetas interrompeu, certa vez, uma cerimônia solene que se realizava no templo, estando então presente o próprio rei, e protagonizou uma cena mais ou menos semelhante àquela em que Jesus, cinco séculos depois, expulsaria os vendilhões que mercadejavam no templo reconstruído pelo rei Herodes.

À semelhança de Buda (contemporâneo de Jeremias e Ezequiel), os profetas se distinguiram também por seu racionalismo radical. Declaravam-se contra as cerimônias vazias de espiritualidade realizadas no templo. "Odeio, desprezo as vossas orações e festividades religiosas e não quero sentir o perfume das vossas celebrações... Afastai de mim o ruído dos vossos salmos... Mas deixai correr a justiça como uma torrente e a probidade como um rio inextinguível."

Batendo de frente com as velhas crenças e rituais judaicos, afirmavam que Deus não precisava dos sacrifícios de animais nem das orações dos sacerdotes e do povo. "Praticar a justiça e o amor ao próximo, isso, sim, era o que Deus pedia aos homens", ensinavam eles.

"A graça redentora da probidade e a maldição destrutora da injustiça" – esse era um dos refrões de suas mensagens proféticas. Esses pressagiadores morais do mundo antigo estavam conscientes da atuação de uma lei natural – a de causa e feito – no curso da História e na existência de cada indivíduo, e era com base nesse conhecimento que se habilitavam a predizer acontecimentos vindouros.

Com efeito, afirmavam ser capazes de prever o futuro por saberem interpretar corretamente o passado. "O que foi será." Conhecedores, portanto, da inexorável lei de causa e feito, procuravam fazer com que os seus semelhantes também reconhecessem a realidade dessa lei não só na esfera física, mas também na esfera moral ou espiritual. "Tão certo como os rios correm para o mar é a iniqüidade correr para a destruição", prognosticavam eles.

Os dois primeiros grandes profetas hebreus, Elias e Eliseu, viveram no século IX antes de Cristo, tendo sido Eliseu discípulo e sucessor de Elias. Isaías, que exerceu suas atividades no século VIII a.C.; Jeremias, que viveu entre meados do século VII e fins do século VI a.C; e Ezequiel e Daniel, século VI a.C., completam a lista dos grandes vultos históricos conhecidos como Profetas Maiores.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de outubro de 2007, www.arazao.com.br)


 

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