História do racionalismo - 47

Protágoras: o homem como medida

A filosofia pré-socrática, da qual falamos nos artigos anteriores, deparou, na última metade do século V antes de Cristo, com um movimento cético, a sofística. O filósofo Protágoras, primeiro sofista e o mais célebre, foi a figura mais importante desse movimento.

Os pré-socráticos tinham por objeto de estudo a natureza, o mundo material, e procuravam a última e irredutível substância constitutiva de todas as coisas (a "matéria sutil, ou fluídica"). São, por isso, chamados de físicos, cosmológicos ou naturalistas. Para os sofistas, o objeto de estudo e reflexão passou a ser o homem e o universo humano, e não mais o mundo das coisas materiais. Estabelecia-se, desse modo, novo rumo para a filosofia, dava-se início ao período humanista ou antropológico do pensamento grego. Sócrates viria a dar continuidade ao humanismo dos sofistas e teria papel fundamental nesse novo rumo tomado pela filosofia.

A respeito dos sofistas, nem tudo é possível afirmar com certeza. Seus livros se perderam, não nos restando senão alguns fragmentos. O que sabemos deles chegou-nos através dos escritos de Platão e de Aristóteles, do historiador Tucídides e do comediógrafo Aristófanes, seus adversários, que deixaram testemunhos altamente desfavoráveis aos sofistas, chegando mesmo a ridicularizá-los.

Entretanto, eis o que diz o historiador da filosofia Will Durant: "O mais característico e fértil desenvolvimento da filosofia grega corporificou-se nos sofistas, filósofos ambulantes que analisavam o íntimo de sua própria natureza, de preferência ao mundo das coisas materiais. Em nossa filosofia de hoje sobre o espírito e a conduta do homem, raro será o problema ou a solução que eles não tenham conhecido ou discutido. Formulavam questões a respeito de tudo. Mostravam-se à vontade na presença dos tabus religiosos ou políticos e ousadamente traziam todas as crenças e instituições perante o tribunal da razão.

Os sofistas destruíram a primitiva fé nos deuses do Olimpo e no código moral cujas leis de castigo ou recompensa eram ditadas pelo medo que os homens tinham daquelas onipresentes e inúmeras divindades. O que os sofistas tinham a ensinar, achavam eles, não se relacionava com a religião."

No tempo do maior estadista de Atenas, Péricles, os sofistas constituíam um grupo social particular – eram os primeiros professores na história da educação. Mestres de retórica e de filosofia, ensinavam aos filhos de pais ricos, mediante pagamento, matérias como gramática, conhecimentos gerais e a arte da eloquência – ensinamentos importantes para a formação dos cidadãos gregos postulantes à participação ativa na vida política. Na Assembleia e nos tribunais precisava-se de uma técnica que habilitasse o cidadão a impressionar e convencer seus ouvintes, desenvolvendo de modo eficaz a defesa e a promoção de seus interesses.

Portadores de saber enciclopédico, os sofistas pretendiam substituir a educação tradicional, destinada a formar guerreiros e atletas, por uma nova pedagogia, preocupada em formar o "cidadão" da jovem democracia ateniense.

Esses mestres notabilizaram-se também por seu envolvimento em debates e questionamentos filosóficos, religiosos e políticos da época.

Protágoras nasceu em Abdera, por volta de 481 antes de Cristo e morreu em 411 a.C. Era carregador, mas atraiu a atenção do filósofo atomista Demócrito, de quem se tornou discípulo. Brilhante retórico, aos 30 anos percorreu o mundo grego, dando lições de eloquência, dialética, gramática, filosofia e direito. Célebre, cobrava caro por essas lições.

Morou algum tempo na Sicília e duas vezes em Atenas, onde conheceu o dramaturgo Eurípides, Sócrates e o escultor Fídias. Honrado com a amizade de Péricles, recebeu do estadista ateniense a tarefa de preparar a legislação para a nova colônia grega de Turii, no Golfo de Tarento, sul da Itália.

Defendeu o sensacionismo, doutrina segundo a qual nossas ideias têm origem exclusivamente nos sentidos, e, sobretudo, um relativismo subjetivista expresso no princípio fundamental de sua obra Acerca da verdade: "O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, das que não são enquanto não são". Ou seja, o critério de verdade para cada homem, segundo ele, varia de medida segundo as circunstâncias, o tempo e o espaço em que se coloca. Assim o comportamento ideal consiste sempre em aderir às circunstâncias presentes, julgando tudo através da medida proporcionada pela ocasião e pelo momento.

Protágoras foi um agnóstico, entre outros motivos porque dizia que sobre os deuses não tinha possibilidade de afirmar nem que existiam nem que não existiam. Quanto a mim, tenho certeza de que não existiam nem os deuses nem o termo "agnóstico". A palavra foi inventada em 1869 pelo biólogo inglês Thomas H. Huxley, o qual conta que criou o vocábulo como antítese ao gnóstico da história da Igreja, que sempre se mostrava ou pretendia se mostrar sabedor das coisas referentes à fé e à metafísica, que ele, Huxley, ignorava.

Das obras de Protágoras, entre as quais se destacam Sobre a verdade e Sobre os deuses, restaram apenas quatro fragmentos, devendo seus ensinamentos ser inferidos principalmente através dos escritos de Platão.

Quando esteve pela segunda vez em Atenas, em 411 antes de Cristo, Protágoras foi acusado por Pitódoro, um dos Quatrocentos, de impiedade (ateísmo), por ter afirmado, num de seus livros, que a religião e os deuses existiam "por convenção". Ou seja, não eram de origem divina ou sobrenatural, e sim fruto de uma espécie de pacto implícito (não manifestamente declarado), aceito pelos indivíduos e ligado imemorialmente à origem de valores, ideias e crenças característicos de determinado povo ou coletividade, época ou região.

A obra Sobre os deuses foi queimada em público, e Protágoras, condenado à morte, conseguiu fugir, mas o navio em que viajava para se refugiar na Sicília naufragou, e ele não sobreviveu. Tinha então 70 anos.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de setembro de 2016, http://arazao.com.br)

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