Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

As leis naturais - Leis de conservação

Valdir Aguilera

No Universo nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Por que? Como a Física explica esta e outras leis de conservação?

Introdução

O Universo é regido por leis naturais, ensina-nos a ciência e a doutrina racionalista cristã. Nele não há lugar para milagres ou imprevistos. Tudo que acontece tem uma causa e toda causa provoca um efeito. Descobrir essas leis é uma tarefa que o ser humano vem desenvolvendo desde épocas remotas. Muitas vezes seus esforços são recompensados com a emoção e o prazer do sucesso. Contudo não são raras as decepções, seja por descobrir que se enveredou por caminhos enganosos, seja pela frustração causada por uma experiência malfeita ou por uma teoria mal elaborada. Mesmo assim, o desânimo nunca se abate sobre o pesquisador. Quando tem de recomeçar, não pensa duas vezes, arregaça as mangas e volta às suas pesquisas.

As leis naturais são imutáveis. As leis que valiam no passado continuam valendo no presente e perdurarão no futuro. Disso não podemos ter dúvidas. Sem esta certeza, como poderia a ciência progredir? Se as leis naturais mudassem com o tempo, que sentido teria desenvolver teorias? De que serviriam os esforços para desvendar essas leis se elas podem mudar amanhã?

Além da imutabilidade das leis (não do Universo, entenda-se; este está em constante mutação) uma outra certeza está expressa no princípio da totalidade, enunciado por Murray Gell-Mann: tudo o que pode acontecer, acontece.

Não devemos nos confundir, o princípio da totalidade não significa que o que vai acontecer já está determinado. Não de trata de um determinismo matemático ou filosófico. Talvez refraseando seu enunciado as idéias fiquem mais claras. Vamos, então, enunciar o princípio da totalidade da seguinte forma: se algo acontece, é porque pode acontecer; se não acontece, é porque não pode acontecer. Ainda em outras palavras, somente acontece, e realmente acontece, o que estiver de acordo com as leis naturais.

Os físicos se dedicam a descobrir as leis que regem o universo físico. Essas leis são necessariamente expressas numa linguagem universal, de forma que seus enunciados não dependam de interpretações culturais ou individuais. Essa linguagem, já tivemos oportunidade de afirmar, é a Matemática. Colocar uma lei física em termos matemáticos é colocar, como se diz, o branco no preto. Expressar matematicamente as leis físicas é, também, uma forma de proteger o seu real significado. Enunciá-las unicamente em palavras é correr o risco de se enveredar pelos domínios da metafísica, terreno movediço, cheio de armadilhas e outros perigos, como as artimanhas da semântica.

As leis físicas são realizações no plano físico de leis mais gerais válidas em planos mais elevados. O pesquisador espiritualista quer entender as leis físicas em termos de leis naturais mais amplas. Para isso, o primeiro passo é entender suas manifestações no plano físico. Neste artigo, procuraremos entender uma classe de leis naturais, as leis de conservação.

Leis de conservação

Comecemos perguntando o que são leis de conservação? Para responder esta pergunta, precisamos primeiramente entender a quê se referem, conservação do quê? O exemplo mais simples de uma lei de conservação encontramos nas palavras popularmente atribuídas a Lavoisier: "nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". Ele se referia à matéria ou energia ou, em linguagem moderna, à massa-energia. Nenhum processo físico ou químico pode criar ou destruir massa-energia. A quantidade de massa-energia que existe antes do processo e a que existe depois é a mesma, não aumenta nem diminui. Esta é uma lei de conservação, conservação de massa-energia. Uma lei de conservação indica algo que não varia, que é imutável.

Generalizando, as leis de conservação afirmam que quando um sistema físico isolado passa por um processo ele apresenta propriedades que não mudam antes, durante ou depois do processo.

Há muitas leis de conservação já conhecidas pelos cientistas. Além da citada conservação da massa-energia, temos a conservação da carga elétrica, a conservação do momento linear e a conservação do momento angular. Há outras que não abordaremos por requerem conceitos que estão fora do escopo deste artigo.

Talvez tenham ocorrido ao leitor as seguintes perguntas: As leis de conservação têm alguma origem? De onde provêm? São consequências de alguma propriedade intrínseca do sistema? Ou do processo pelo qual passa o sistema físico? Estão relacionadas a algum aspecto oculto da natureza? Estas são perguntas válidas e intrigantes. Os físicos têm uma resposta a estas questões: "As leis de conservação estão intimamente relacionadas com simetrias que ocorrem na natureza. Advêm de relações matemáticas associadas a certas simetrias de um sistema físico." Logo mais vamos tornar mais claros esses conceitos.

O tratamento matemático desse assunto é um tanto sofisticado e foge das intenções deste artigo. Se algum eventual leitor quiser se aprofundar no tema, adiantamos que as simetrias de sistemas clássicos podem ser identificadas examinando-se uma função matemática chamada lagrangiana. Já num sistema quântico, estão contidas num operador chamado hamiltoniano. Deve-se consultar um texto de Mecânica Clássica (para entender a função lagrangiana) ou de Mecânica Quântica (para entender o operador hamiltoniano).

O que desejamos é desenvolver uma apresentação que, esperamos, estimule a imaginação do leitor. Comecemos com a lei mais simples: a da conservação da massa-energia.

Na discussão que segue, como foi enfatizado anteriormente, supomos que estamos considerando sistemas físicos isolados, isto é, não há forças externas atuando.

Conservação de energia e deslocamento no tempo

Por que a energia se conserva? Por que não pode ser destruída ou criada?

Para entender a resposta que será dada, é necessário discorrer brevemente sobre o significado de "deslocamento no tempo". Para começar, esse deslocamento nada tem a ver com idas ao passado ou ao futuro, viagens aos tempos em que nossos avós ainda não tinham nascido ou ao encontro dos filhos de nossos tata-tataranetos. Deixamos essas divertidas fantasias para os contos de ficção científica.

Então, o que significa "deslocamento no tempo", dentro do nosso contexto? Tentemos aclarar.

Imagine a seguinte situação: você mede quanto tempo um objeto tarda caindo de uma certa altura – do telhado, por exemplo – até chegar ao chão. Digamos que a queda durou 2 segundos. Ao informar isso, você não tem necessidade de dizer que a medição foi feita numa segunda-feira ou num sábado. O tempo gasto para o objeto chegar ao chão é o mesmo quer a experiência tenha sido feita hoje, ontem ou outro dia qualquer (se as condições físicas forem as mesmas, não estiver ventando, por exemplo). Dizemos que aqueles 2 segundos que durou a queda é um resultado invariante por um "deslocamento no tempo".

Outro exemplo: sob mesmas condições, a água ferve a 100oC, independentemente de um deslocamento no tempo.

Um deslocamento no tempo também é chamado de uma "translação temporal". A conservação de energia é uma manifestação de invariância sob uma translação temporal. É esta a explicação para a conservação da energia.

Conservação de momento linear e deslocamento no espaço

Os objetos têm uma massa m. Quando se deslocam, também têm uma velocidade v. A quantidade que se obtém multiplicando a massa pela velocidade (m·v) se chama momento linear (ou quantidade de movimento em textos de física antigos) e é uma quantidade que também se conserva nos processos físicos: não é possível aumentar nem diminuir o valor daquela multiplicação.

Essa lei de conservação é central no estudo de colisões, seja no macro, seja no microcosmo.

Voltemos à nossa experiência relatada na seção anterior – verificar quantos segundos um objeto tarda para atingir o solo após cair de um telhado. Examinemos, agora, esse resultado sob um novo ponto de vista. O número de segundos gastos na queda é o mesmo quer façamos a medição com aquele telhado quer a façamos com um outro telhado de mesma altura em uma casa distante. O resultado será o mesmo, é invariante se deslocamos a experiência para outro local. A esse deslocamento os físicos chamam de translação espacial. Assim, na linguagem deles, o resultado é invariante por uma translação espacial. É essa invariância a responsável pela conservação do momento linear.

Teste: A temperatura de ebulição da água é diferente se a esquentamos na cozinha, na sala ou na casa do vizinho?

Conservação do momento angular e rotação

O conceito de momento angular é um pouco mais elaborado. Não temos necessidade de entrar em detalhes matemáticos uma vez que nos interessa neste momento é ter uma idéia qualitativa da origem das leis de conservação.

Consideremos um objeto se movendo numa trajetória circular. Esse objeto tem uma massa m, uma velocidade v e a sua trajetória tem um raio r (o raio da circunferência). Ao produto destas três quantidades, m·v·r, se dá o nome de momento angular. O valor do momento angular é uma constante, é conservado. Há uma lei de conservação de momento angular. É devido à invariância do momento angular que fica mais fácil equilibrar-se numa bicicleta em movimento do que quando ela está parada.

A conservação de momento angular é uma manifestação de invariância sob uma rotação. Para dar um exemplo bastante simples desse tipo de invariância, imaginemos que ao pesar um objeto a balança acuse um peso de 2 quilos. Se girarmos o objeto sobre a balança, ele continuará pesando os 2 quilos. Esse giro do objeto é uma transformação que os físicos chamam de rotação.

Se um sistema físico se comporta da mesma maneira, independentemente de como está orientado no espaço, se foi girado ou não, o momento angular do sistema é conservado. É esta invariância por rotações a responsável pela conservação do momento angular.

Teste: A temperatura de ebulição da água é diferente se o cabo da panela está apontando para frente, para trás ou para o lado?

Conclusão

As leis de conservação resultam de invariâncias inerentes a transformações (deslocamentos e rotações, nos casos que consideramos) feitas em sistemas físicos.

A invariância por deslocamento temporal é a explicação para a conservação da massa-energia; a invariância por deslocamento espacial é explicação para a conservação do momento linear; e, a invariância por rotações é a razão por que o momento angular se conserve.

As descrições matemáticas dessas invariâncias estão contidas na função lagrangiana (sistemas clássicos) ou no operador hamiltoniano (sistemas quânticos).

Vemos, então, que a origem das leis de conservação está nos diversos tipos de invariância por transformações. Contudo, podemos perguntar: Qual é a origem das invariâncias? Tomemos a invariância por deslocamento temporal, mas, será que o tempo existe? E a invariância por deslocamento espacial, contudo, será que o espaço existe? Temos, ainda, a questão mais instigante: estas perguntas têm sentido?

De qualquer forma, as leis de conservação nunca foram violadas, são leis exatas. Pelo menos até agora...

Finalmente, para despertar a curiosidade do leitor: invariâncias, leis de conservação e simetrias são conceitos intimamente relacionados. Na verdade, o conceito central é o da simetria, uma consequência da ação de forças e tema que ainda requer muita pesquisa.

Deixamos para pesquisa do leitor (é necessário conhecimentos avançados de Física Teórica): por que a carga elétrica é conservada? Por que não se pode destruir ou criar carga elétrica?

Bibliografia

Paul A. Tipler e Ralph A. LLewellyn, Física Moderna, LTC, Rio de Janeiro, 2001.

Feynman's Lectures on Physics, vol. 3, disponível na seção "Biblioteca" do site www.valdiraguilera.net


 

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